quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Biografia da sobrevida Canastra


Sei porque não escrevo bem.
É que me falta um pouco de verdade,
um pouco de acaso. Um pouco menos de razão. Meu coração adoeceu, e desde então tem batido apenas por obrigação;
quando sente o medo de parar, acelera até me deixar calado; mais vivo, sim, não posso dizer que não;
mas sentir-se vivo pelo pavor não é sentir-se vivo, é perceber que um dia pode-se morrer, apenas.
Desde então tem sido isto:
sobreviver. Uma sobrevida. Uma diversão intoxicada pela noite. Uma conversa pela metade. Um silêncio por inteiro. Não uma calma, uma dormência. Uma alergia ao comum. Um desgaste pelo inusitado, pelas histórias engraçadas, pela comédia irônica, ácida, pela chuva, pela tempestade, pela garoa, pelo calor, pelo frio, pelo suor frio, pelo suor seco, por este tempo seco.
Tornei-me,
ao menos,
um homem justo.
O problema é que justiça hoje é palavra desacreditada. Logo: tornei-me um homem descrente. Uma pena...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Biografia de mais uma carta para Maestro


Você lembra de mim?
Eu sou aquela garota que você conheceu naquela sua viagem.  Que você atou os pés, as mãos, e deixou apenas um bilhete dizendo que ia embora.
Eu acho que já nem sei mais direito como é seu rosto. Lembro dos olhos, e um pouco do formato do rosto. Mas você, lembra?
Acho que já nem és mais quem eras. Tenho certeza disso. E não que eu espere isso, mas era o que você queria, então eu só espero que tenhas conseguido.

Não sei se eu deveria estar endereçando para a tua casa ou se para  minha própria.
Sabe,
entendi agora.
Entendi tudo.
Você sabe,
desde aquele dia tenho sentido falta de algo. Algo que não sabia realmente o que era; estava olhando para um cisne em um lago, ou um pato, não consegui distinguir muito. O lago você conhece, é aquele que nós dizíamos ir um dia. Pois bem, demorou: mas fui eu sozinha.
Bem,
estava eu ali sentada e mirando seu dormir em pé, com sua cabeça caída em suas costas, e
logo abaixo seu reflexo. Não lembro ao certo porquê, mas ali entendi tudo.
Tudo.
Você sabe,
eu tenho sentido algo, algo muito estranho. Eu pensava que ainda era por ti, por tua partida; e claro, no começo era, mas aí comecei a viver um belo dia. Mas ainda assim eu sentia aquela coisa estranha, aquela falta. Claro, eu sentia tua falta ainda, mas era diferente.
O que eu tinha por ti era algo que nunca imaginei pensar sobre alguém. Ela me doeu, mas ela me fez ser o que eu queria ser, entende? Foi ela minha gasolina por tanto tempo.
Aí entendi,
eu não estava sentindo sua falta,
eu estava sentindo falta de sentir a sua falta. Tive tanto medo de nunca mais ter aquilo para mim, que me agarrei na saudades não da tua presença, mas do que eu sentia por tua presença. Entende?
Eu sei que eu entendi. Entendi tudo;
Agora está mais fácil. 

domingo, 25 de setembro de 2011

Biografia do Amor


Não julgarás uma pessoa que ama jamais!
Não julgue seus tentares atentos às suas
- suas, não dela -
necessidades.
Não julgues uma pessoa que ama,
pois quem ama,
ama,
e nada muito além disto.
A morte, já tão bem recontada por iras,
quando atem-se ao ardor da alma inquieta pelo sentir demasiado da paixão, torna-se mais perigo que a loucura da raiva.
Por isso não há julgamento coeso para quem diz o que diz por querer dizer tudo aquilo que disse por amar tudo aquilo que falou; ainda que ao reverso.
Por isso,
não a julgues, meu caro. Terias que aprender primeiro a julgar a ti mesmo, e eu sei, meu amigo, o quão difícil é saber saber de seu próprio espírito.

- À'mor'te dou tudo;
casa,
comida,
roupa lavada.
E bem sabes que já tens,
não apenas um pedaço,
uma sociedade de direito majoritário de minha alma. - ela dizia.
- Mas não;
não pedi! - ele respondia.

Ela bem sabia os números exatos da paixão. Eis que ele não. Eis que ele tampouco sabia despistar o amor, assim como pouco sabia do que queria. Ele lhe dizia:

- À'mor'te dei tudo;
minhas chaves,
minhas gavetas,
minhas cobertas.
Dei-te também uma bela parte de minha cama,
onde podes todo dia chegar com minhas chaves,
colocar teu pijama que te espera em alguma de minhas gavetas,
deitar-te e cobrir-te com uma bela parcela de minhas cobertas. - ele explicava.
- Mas não;
não foi isso que pedi! - ela respondia.

Ele bem sabia da resposta que seguiria, breve e em breve de sua tão bem explanada descrição. Ela, então, o enchia de carinhos.

- À'mor'te dou tudo;
corpo,
alma,
e mais um pouco de meu corpo,
ainda quando estava eu cansada!
Ainda quando estava eu desesperada por apenas cobrir-me de teus braços!
- Mas não;
não pedi!

Ela bem sabia que não. Mas o que poderia ela lhe oferecer além de uma alma que não o interessava e um corpo que o satisfaria, ao menos? Ele lhe dizia:

- À'mor'te dei tudo;
todas as chances,
todos apelos, correspondidos,
todos os pedidos chantageados!
Até mesmo adeus, te dei. E logo que lhe cumprimentava no dia seguinte, como se nada.

- Então,
à'mor'te dou adeus.

A ironia está contida na frieza e agilidade do amor.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A biografia do renascimento de Canastra


Andei procurando palavras bonitas para esclarecer o quão desqualificado sou para viver grandes romances.
Acontece que sou bom demais para viver grandes noites,
daquelas esquecíveis, porém memoráveis. Do dia seguinte de corpo e consciência doloridos, do gosto ruim na boca, das unhas sujas.
É como ter algum complexo de porco que gosta mais é de revolver-se na lama.
A lama é boa.
É fresca e me mantém longe do calor do Sol dos dias de passarinhos cantando e pessoas caminhando à Beira-Mar com seus cachorros e com seus óculos escuros e roupas compradas na medida de suas caminhadas tão saudáveis.
As roupas que uso para minhas caminhadas, confesso, são feitas também sob medida. As rasgadas, porcamente passadas, com cheiro de suor de todos que passamos por entre para chegar ao bar para apenas pegar mais alguma bebida que nos mantenha em estado de reflexão das luzes que ecoam pelo lugar.
Ao invés de cachorros na coleira, seres humanos soltos à procura de alguém que os prenda por alguns segundos, mas que depois os largue e os deixem ir sem problema algum.
Não sou o único.
Nunca fui o único.
Não estou sozinho, só. Estou sozinho com todos estes solitários felizes por estarem felizes por estarem simplesmente felizes. Entende?
Tinha me esquecido desta sensação de estar feliz com tudo isto. Havia caído na ladainha do filme abraçado embaixo das cobertas vendo a noite passar vazia; naquela história de se ter alguém pela vida inteira.
Não,
não,
não!
Não é frustração.
Isto já consegui algumas vezes.
Algumas felizes vezes, confesso. Mas estas coisas não são para mim. Não sei lidar direito nem comigo mesmo e ainda me pedem para conseguir lidar com alguém que conheço pouco?
Não,
não,
não!
É que todos tem esta ilusão: a de que desta vez o final será diferente. Mas o final é o mesmo. Ou então você tem a sorte de morrer primeiro, ou depois morre de tristeza por ter sido escolhido para viver o pesar de ver novamente o seu tesouro partir. De novo. Como sempre foi.
Não sei fazer isso. Não sei me conformar com a ida - e tampouco com o retorno. Por isso gosto destas coisas de apenas alguns minutos. É um contrato silencioso de que ambos sairão ilesos, em que ambos esperam sair satisfeitos, e nada mais.
E absolutamente nada mais.

Ah...
simplicidade da noite...
parafraseando um tal:
aqui me tens de regresso.
Agora,
por favor:
menos pão e mais vinho, por favor.