terça-feira, 27 de março de 2012

Cartas D'ócio, capítulo 2, parte 1



Eu estava andando pela rua; eu estava estrangeiro, e eu havia, porém, verdadeiramente nascido naquelas ruas.
Eu não sabia mais os buracos, os percalços, o ritmo de atravessar ruas lotadas de carros apressados. Eu sabia tão bem atravessar a rua... Eu sabia tão bem em que cada meio-fio confiar um equilibrista extrovertido ao me mostrar aos amigos e chamar atenção para meu ego.
Eu não sabia era do finito,
que tropeço era calo,
que queda era tombo de fazer as pernas fraquejarem ao novo levante, e que cada calo ainda voltava a doer a cada esforço. E que cada calo permanecia, e doía.
Eu não sabia que ritmo a gente vai perdendo com a sempre mesmo dança. E que, Deus...
como cansa!
Eu estava em maratona do sempre mesmo discurso.
Eu estava, como agora há pouco eu estava andando pela rua. Como agora há pouco os faróis anunciavam o clarão do fim do túnel - como agora me mentiam uma verdade absoluta.
Agora estou.

Agora pertenço nem que seja à esquina de mim mesmo.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 3


Acordo dando risadas de olhos marejados. Ultimamente os sonhos andam tão reais que marquei de te encontrar na esquina do supermercado e hoje praticamente parei ali para te esperar. Claro, eu estava atrasado;
já tinhas ido embora do cansaço da, por mim, espera.

Alguns dias são mais fáceis, outros são de sonhos fáceis; desses difíceis de acordar, difíceis de voltar a sonhar, e razoavelmente fáceis de, em um pulo, sair voando. Ainda noutros, te levo flores, mas já sem muito o que dizer.
Não são nunca palavras fáceis, ainda que estejam, pela saudade, cada vez mais doces 
e,
claro,
dóceis. Coisa que nunca fomos, mas que éramos. 


O tempo está passando rápido, não é mesmo?
O tempo resolveu navegar tormenta e ocupar-se de mares que nós nunca tínhamos pensado sobre, e aí o barco, depois daquele esvazio imenso, voltou a se encher de uma forma magnífica! Veja: alguns até plantaram raízes! 
Ah... são tantas, tantas coisas para contar...!
São tantas coisas que o tempo resolveu soprar na vela cada vez mais forte para ver se a brisa deixava o girar do mundo mais refrescante, menos sufocante; resolveu por si o que eu nunca conseguiria resolver por mim. Está menos quente, realmente. Está mais leve. Cada único dia, mais leve. Cada dia mais longe da orla. Cada dia mais perto do que nós sonhávamos ser o novo mundo. 
Estou chegando lá, e eu sinto de uma forma estranha isto. Você já deve estar em outra dimensão, não sei; não sei o que acontece com vocês, e tu nunca me disse qualquer coisa desde então. Quer dizer, nunca algo sobre isso; acho que nunca nos importamos.
Acho que,
na realidade,
nunca precisamos.


domingo, 4 de março de 2012

Da fraqueza.

minha fraqueza...

minha fraqueza está no orgulho
das lágrimas escondidas
dos dias cansados
da fraqueza contida
das lágrimas escassas
dos dias contidos
da fraqueza impópria
das lágrimas correndo
dos dicas exaustos.
dos dias verdadeiramente exaustos.

minha fraqueza está na mentira do sorriso gasto.
minha fraqueza está em ser só eu a dizer:
- Tudo vai ficar bem.

minha fraqueza é a fraqueza de todos fracos.
sou fraco.
sou frangote.
sou orgulhoso por minha falsa força.

tenho orgulho de minha falsa força.
tenho orgulho de minha fragilidade.
tenho orgulho demais.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Por favor, silêncio.

posso escrever silêncio?
é um pouco
de tudo que me resta.
o outro pouco 
não sei definir.

posso descrever o silêncio?
não.
não posso.
não sou o bastante,
ainda,
para ser bom o bastante
para esclarecer
o que é,
de verdade verdadeira,
escuridão.

queria eu poder ficar em silêncio.

queria eu saber sobre o silêncio.

queria eu,
na verdade,
o sussurro no ouvido.

queria eu tantas coisas...
queria descobrir como não precisar mais ter esta necessidade que tenho agora de querer saber como descrever o silêncio. Já que isto me parece algo realmente complicado,
algo realmente impossível,
temo então querer o que não posso.
queria eu parar de bater com a cabeça na parede.

posso escrever silêncio?

shhh...

...

shhhhh...

e nada.
nada.

shhhhhhhhhhhhhhhhhh...!

mas não é o bastante.
as vozes são mais poderosas que o clarão.
elas dizem:
- Sim! Sim! Sim!
O erro está na ingenuidade de acreditar em tudo que me dizem. As vozes, por exemplo:
acredito nelas,
então,
depois,
nada de silêncio.
Nada de silêncio.
Nada.

Peço:
- Por favor: shh....

Nada.
Absolutamente nada.
Elas seguem:
- Sim! Sim! Sim!

Acontece que
não
não
não.
Há algo que segue em negar-me o óbvio.