terça-feira, 30 de setembro de 2008

Biografia da Carta

Agora é a hora de tentar inovar,
mas inovo tanto, tantos dias,
que me deixo tonto por tanto tentar enganar o que nunca,
nada vai mudar: alguém que quer ser o que é, nenhum remédio vai curar.
Alguém que é o que é, parece até fantasia;
e pena que o é. Mas agora é hora de tentar inovar,
numa hora em que nem me acostumei com o novo que criei. Vai entender. Vai, entende;

E era tudo.
Só soube de quem pelo remetente. Nem disse onde está. Nem quão bem. Por mais que não parecesse realmente bem.
Nem sei mais que horas são, esperava ficar horas lendo e relendo a carta que eu esperava que fosse imensa; de tantas e tantas páginas, como cartas de pessoas que estão longe. Foi tão curta que reli umas cinco vezes em menos de seis minutos, provavelmente.

Levantou-se da cama, espriguiçou-se. Pegou a carta, dobrou em duas, quatro vezes menor o seu tamanho; colocou-a no bolso de trás de um jeans suspeito. Foi á cozinha e cozinhou sua comida de solteiro - da qual nem comento, pois não quero tirar a fome de ninguém,
pois não era bom cozinheiro. Maestro fazia falta.
Já estava ficando tarde, provavelmente.
Já nem sabia quão rápido o tempo poderia passar.

domingo, 28 de setembro de 2008

Biografia, de novo.

- Opa!
- E aí!
- Me vê três pães.
- Ok mestre.
Virou, pegou os três pães, ensacou-os com suas mãos de luvas transparentes, pesou-os e pronto.
- Pronto!
- Valeu!
Digiriu-se ao caixa, após especular preços da duas únicas prateleiras da tal padaria. Ele gostava dessa padaria. Era mais uma dessas de esquina, mas tinha um clima que não saberia explicar. É como quando você sente algo que... sabe, não sabe explicar. E ele sentia isso pela tal padaria.
- Fala rapaz!
- Bom-dia, Seu Pedro. - Seu Pedro era dono a pouquíssimo tempo da tal padaria. O povo fala que, depois de um tal acidente, a aproximadamente uns bons três meses, o tal ex-dono dessa tal padaria teria acabado por vender a tal. Padaria esta que, agora, era de Seu Pedro.
- Vai ser só?
- É. Fim de mês, sabe como é.
- Tá certo, tá certo! Bom dia, rapaz!
- Valeu Seu Pedro, até!
E saiu.

Acho que por essa história toda que acabei gostando da padaria. Era engraçada. Ficava ao fim de uma estranha rua de paralelepípedos, estreita. Coisa que não se vê mais em cidades tão grandes quanto essa que eu vivo. Mas a rua, essa tal, desemboca numa praça bem... relaxante. Pena que hoje os pães estão quentes, tenho pena de deixá-los esfriar enquanto passeio.

Seguiu em passos firmes para casa. Eram quase sete horas da manhã, e o longo, longo dia estava apenas começando.

Cidade nova, vida nova. É o que dizem. Rotina é algo mortal no sistema.
Mas é sempre bom conhecer algo novo. Ou alguém novo. Tipo desses que se for embora não vai doer por dias, mas que se ficar vai ser bom.
É bom.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Biografando transformação.

Tem gente que se vai,
e aí que a gente se vê.
Se já não era nada antes, imagina sem quem sabe ao menos seu nome,
o que você bebe, qual a foto do teu RG.
Aí que a gente se vê.
Aí que o rabo intorta a porca,
não tem nada mais insuportável que conviver consigo mesmo sem nada mais pra ver.

Aí que a gente nota o quanto importa ter alguém,
mesmo sem se dar bem,
ao seu lado, nem que seja para assistir Tv.


Dizia na carta muito, tanto que tive que me obrigar a parar de ler e subir para casa. Foi uma viagem longa de elevador.
Então cheguei, sentei, e lí.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Biografia do azedo.

Me atiro pela janela do térreo pensando na torta de limão do amanhã.
Vai entender...

É complicado, agora tenho de contar os acontecimentos meus. É realmente complicado contar sobre o que não aconteceu, ou sobre o que deveria acontecer.
Acordei cedo, trabalhei, almocei cedo, trabalhei. Voltei pra casa sem passar no boteco, nem na casa de ninguém. Sempre reclamei do Rei e do Maestro, mas nunca tive a capacidade de procurar novas companhias. Acabei me acostumando, e de tanto me acostumar: acabei achando que era mais que puro coleguismo coletivo. Não sei até que ponto pode-se chamar aquilo de colegas de trabalho. Não sei quando podemos aceitar que era amizade, já que nenhum dos três, de fato, sentia-se como amigo um do outro.
Eles, nas aventuras deles, nem devem estar sentindo saudade daquilo que insistia-mos em chamar de vida coletiva. Foram anos de trabalho, juntos.
Acho que estou prestes a pensar em aonde eles podem estar. Eu estou em casa, um lugar novo para mim. Em que novo lugar eles podem estar é a pergunta que matuta na minha infame cabecinha de merda.
Preferia quando eu contava sobre o que eles me contavam. Da minha vida vocês não vão gostar.
Eu não gosto. Mas matenho. Gosto de manter, mesmo que não pareça. Mantenho sempre o satisfatório, para não ter que gerar nada ilusório e acima da linha de simples condição humana.
É como pular de bung-jump. O quão mais perto do chão você chegar; mais para o alto, puxado será. E satisfatório é bom. Nem péssimo, nem ótimo. Ás vezes bom, às vezes ruim. Mas nada fora do controle.

Quem deu o apelido de Rei do Ócio, para o Rei, fui eu. Engraçado. Só porque ele conseguia ser mais controlado que eu, não quer dizer que eu seja descontrolado, ou desapegado. Estou começando a achar que eu sou o mais quadrado, e para um quadrado, onde existem apenas 4 lados, é fisicamente impossível que as coisas apenas rolem.
Aqui, cansado, acabei percebendo que sou como aqueles dois. Talvez por isso briguemos e nos indentificamos tanto. E negamos tanto.


...


O mês estava começando. E Canastra, na sua pressa do chegar em casa e desamarrar os sapatos, acabou por se esquecer de pegar suas contas. Era bem provável que também não quisesse. Mas, como que descendo para a guerra, desceu do seu sexto andar, de pantufas e uma roupa um tanto duvidosa para as ruas, e dirigiu-se mecanicamente para a caixa de correios.
Pegou suas chaves, abriu com pouca dificuldade. Pegou aqueles tantos papéizinhos, papelotes, papéis e pacotes. E cartão postal de um. E carta de outro.
E o sorriso se fez, inevitável.

domingo, 21 de setembro de 2008

Entre-linhas 3

Antes nada do que algo que não te agrade,
mas tudo bem. Tá tudo normal.
Nada mau para alguém que nem tem o que dizer sobre tal e tal.
Tais estes que mal e mal tem o livre como algo além de vital.

Peço nada mais que um farol apagado,
escondido na neblina do frio formado pela distância com a qual a terra estaria.
Nem quero cavalaria ou salvação,
me serve a redenção.
Me serviria um não. Serviria um não,
mas não tente não entender.
Quando peço nada,
peço nada além do rumo de como as invariáveis são.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Biografia do lapso.

Posso rir?
Pode?
Não, to falando sério... me deixa rir! Preciso!
Ou mijar, rápido. Antes que...
ops. Mas foi só uma gota, juro.
...
eu me imagino rindo, e me parece tão bom. Deixa eu rir ao vivo. Em mim não vai doer. Em tí vai. Mas, vai... só um pouquinho. Bem pouquinho.
Não?
Tá, só uma gargalhada. Só uma!
É, também não. Imaginei.
Aiai... teria sido bom. Passou. Feliz agora?
Não, não. Não adianta me dizer que pode agora. Agora não consigo mais. Agora não consigo.
Agora aguenta.
Ah! Está se sentindo mal? Pena. Eu to normal. Perdeu a graça.
Tchau.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Breve pausa para a Biografia da Inocência.

Olha! - me disse a criança, apontando para o sol.
- Mas o quê?
- Só olha.
Olhei.
- Não vejo nada.Aliás... só fez meus olhos doerem! Você sabia que pode ficar cega?
A criança ficou quieta, com o choro trancado na garganta. Com o choro orgulhosamente trancado na garganta. Os olhos brilhavam das lágrimas. A boca: retorcida. Respirava fundo.
- Vai chorar? Cansei de ser babá. Já tâmo nessa porra de parquinho tempo demais, o sol já tá fazendo mal pra sua cabeça. Vamos subir, cata teus cacaréco.
A criança, ainda quieta, juntou cuidadosamente suas filhas, os maridos de suas filhas, a família de suas filhas e o carro de uma de suas filhas - uma das duas filhas gostava de bicicletas apenas, para não poluir. Catou então a bicicleta da outra filha. Colocou tudo e todos cuidadosamente na sua mochila rosa, e vestiu a mochila rosa. Velha, surrada, suja e rasgada, como da primeira vez que a tinha visto.
- Demorou, hein? - eu já estava sem paciência. Os clientes essa semana estavam impossíveis, o supermercado caro, a gasolina cara, o cinema: caro. Assim como as pipocas, as locadoras, a internet, o telefone. Não podia mais sair para curtir com os amigos, minha mulher estava no pico de algo que nem sei o que é. Decidi visitar mãe e irmã, e agora brigava com a pequena também.
Peguei-a pela mão e ignorei suas pequenas pernas, eu precisava urgente de algo para a cabeça. Ela doía. O sol, afinal, não tinha feito bem era para mim.
Subimos as escadas, entramos no apartamento cuidadosamente arrumado, e a pequena foi direto para o quarto. Sentei-me na primeira cadeira que havia perto, minha garganta havia se transformado em dor apenas, assim como minha cabeça. Tudo o que pude fazer foi encostar meu corpo no sofá de três lugares. Tudo.

Entrou no quarto, fechou a porta com o mesmo cuidado com que arrumara suas coisas minutos atrás. Espalhou sua pequena família feliz em seus devidos postos: Mãe na cozinha, pai no trabalho, filhos na escola que havia montado com muita criatividade. Estava sozinha no quarto. O choro começou a escorrer pelos seus olhos, assim como as palavras:
- Mas é bonito... o sol é bonito.
Segurou seu braço dolorido com carinho e pôs-se a chorar.

sábado, 13 de setembro de 2008

Biografia do ser humano

Ser humano é complicado;
trás muita implicação, dá muito trabalho.
Esquecem que Humano é espécie,
e não uma espécie de igualdade para a Bondade.
Esquecem que hipocrisia e compaixão andam agarradas, de mãos dadas!
A hipocrisia dizendo que tá tudo bem,
a hipocrisia dizendo: "tá tudo fine, meu bem".
Pois bem! A compaixão também!

O Ser Humano tá instigado a ser demasiado,
mais que palavriado, muito mais que o além do certo e errado.
Esquece que é bicho, e não só gente.
O Ser Humano tá destinado a um destino insolente,
e isso não me surpreende!

Um dia a gente aprende, um dia a gente, quem sabe, venha a aprender. Nem sei. As ruas à noite são diferentes, mas melhores. Piores, quem sabe; mas melhores para mim. Gosto do piso e asfalto molhado da humidade do frio. Gosto de estar bem agasalhado, com o frio condensando o ar expirado pelo nariz e pela boca de alguém como eu. Daquela meia luz, que ninguém mal se entende; e das surpresas nos rostos que às vezes penso ser femininos, ou bonitos. Gosto de andar. Gosto das putas baratas quando to sem dinheiro, e das caras quando quero mentir nomes para mim mesmo. Eu gosto do meu jeito à noite. De dia sou sacal, cheio das responsabilidades enfiadas.
Mas à noite não. À noite sou espião de mim mesmo em busca daquelas coisas que todos buscam, mas que buscam em lugares errados. Eu sou sincero comigo mesmo, por isso sou certeiro. Nunca saiu pela culatra, e por isso nunca entendi o Rei e o Maestro. Desesperados, pobres. Se para mim não dá certo, parto para a próxima sem drama. Eles não, ficam nessa cheia de blás sem parar. Confesso que estava um pouco cansado, já estavam sugando a minha energia mais do que eu mesmo tinha. Estar em casa nunca foi realmente tão divertido quanto voltar para ela. Gosto da rua à noite; tem pouco, mas tem movimento. Um movimento por vezes sinistro, com injeções de adrenalina por vez ou outra. Por isso gosto, também. A casa está sempre parada e vazia, e só tem algo para comer quando trago da rua. Da rua à noite ou de dia, tanto faz; é basicamente tudo comida.
Gosto da noite, e graças a Deus ainda nem duas da manhã são.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Biografia de quem não tem nada a perder.

Ser vencedor e ser perdedor é uma relação muito complicada quando não se está, de fato, em uma competição.
Ser ou ser, eis a questão!
Troféu a gente bruica, fabrica na mão. Mas ah!
A satisfação, me desculpem,
mas não!
E tudo o que me resta é estar aqui, nessa merda dessa cidade que só sabe chover. Enquanto isso um amigo pirou, e fugiu. O outro amou a idéia e foi para qualquer outro canto. Não sei como conseguem, não sei como se deixam levar por tão pouco. A cidade sabe só chover, e eu sei aproveitar as donas desesperadas por um bom teto seco.
Quem canastra um dia é, nunca o deixa de ser. Não é?
Então, senhores e senhoras, dêem-me licença. Não aguento mais histórias melodramáticas, e blá blá blá. Vâmo vê um pouco mais de ação, que não essa falta de coragem daqueles dois. Já falei o bastante sobre eles. Agora o Rei e o Maestro se foram. Agora sobra eu aqui. Afinal, o que eu tinha para perder, partiu ao meio; e esqueceu de avisar.
Agora sou eu, essa puta chuva, e essas putas por aí.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Entre linhas, parte 2.

É história
aquela velha história
de que quem não tem o que quer ter
tem menos que quem tem sem querer.

Me preocupa esse teu sempre querer.
Pois para que me preocupar em ser
se só o que tenho
é o viver.