segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Breve pausa para a Biografia da Inocência.

Olha! - me disse a criança, apontando para o sol.
- Mas o quê?
- Só olha.
Olhei.
- Não vejo nada.Aliás... só fez meus olhos doerem! Você sabia que pode ficar cega?
A criança ficou quieta, com o choro trancado na garganta. Com o choro orgulhosamente trancado na garganta. Os olhos brilhavam das lágrimas. A boca: retorcida. Respirava fundo.
- Vai chorar? Cansei de ser babá. Já tâmo nessa porra de parquinho tempo demais, o sol já tá fazendo mal pra sua cabeça. Vamos subir, cata teus cacaréco.
A criança, ainda quieta, juntou cuidadosamente suas filhas, os maridos de suas filhas, a família de suas filhas e o carro de uma de suas filhas - uma das duas filhas gostava de bicicletas apenas, para não poluir. Catou então a bicicleta da outra filha. Colocou tudo e todos cuidadosamente na sua mochila rosa, e vestiu a mochila rosa. Velha, surrada, suja e rasgada, como da primeira vez que a tinha visto.
- Demorou, hein? - eu já estava sem paciência. Os clientes essa semana estavam impossíveis, o supermercado caro, a gasolina cara, o cinema: caro. Assim como as pipocas, as locadoras, a internet, o telefone. Não podia mais sair para curtir com os amigos, minha mulher estava no pico de algo que nem sei o que é. Decidi visitar mãe e irmã, e agora brigava com a pequena também.
Peguei-a pela mão e ignorei suas pequenas pernas, eu precisava urgente de algo para a cabeça. Ela doía. O sol, afinal, não tinha feito bem era para mim.
Subimos as escadas, entramos no apartamento cuidadosamente arrumado, e a pequena foi direto para o quarto. Sentei-me na primeira cadeira que havia perto, minha garganta havia se transformado em dor apenas, assim como minha cabeça. Tudo o que pude fazer foi encostar meu corpo no sofá de três lugares. Tudo.

Entrou no quarto, fechou a porta com o mesmo cuidado com que arrumara suas coisas minutos atrás. Espalhou sua pequena família feliz em seus devidos postos: Mãe na cozinha, pai no trabalho, filhos na escola que havia montado com muita criatividade. Estava sozinha no quarto. O choro começou a escorrer pelos seus olhos, assim como as palavras:
- Mas é bonito... o sol é bonito.
Segurou seu braço dolorido com carinho e pôs-se a chorar.

Nenhum comentário: