quinta-feira, 23 de junho de 2011

Biografia de todo fim, inicio - parte 2

Voltei e encontrei sua vida.
Voltei e me encontrei com uma culpa imensa. Deparei com saudades.
Eu havia estado em sua casa poucas vezes, e já fazia tanto, tanto tempo que não voltava; mas curioso essa coisa de ainda assim parecer como ontem.
As paredes brancas - ainda que algumas rabiscadas com suas (belas) loucuras, o piso claro de cerâmica.
Era óbvio o fato de ninguém ter estado ali desde que ele havia saído pela última vez. O lixeiro da cozinha estava pela metade e a louça na pia mostrava o que ele havia almoçado pela ultima vez.
Ele me disse que iria remodelar a sala, mas permanecia a mesma.
Entrei no seu quarto e arrumei sua cama. Peguei o livro que estava na sua cabeceira, o abri e li algumas coisas. Era um livro de bolso do Fernando Pessoa, um escritor que ele me ensinou tanto a gostar. Liguei o som e começou uma música já do meio - esta: http://bit.ly/id9ixV.
Deitei na cama, abri o livro e coloquei a música para repetir.
Entreti-me um pouco como ele fazia, e eis que leio esta frase, riscada em uma página em branco do mesmo livro:

Tudo vai passar.
Tudo!
Desde o que não espera-se sentir,
ao tempo.

Fechei o livro. Desliguei a música. Peguei uma foto nossa que estava na estante, fechei a porta do quarto. Então saí do apartamento, tranquei a porta e deixei a chave com o porteiro. Segui até o carro, entrei, fechei a porta, dei a ignição, liguei o rádio e estavam passando as notícias do dia. As seleções que iriam para a Copa do Mundo de 2010 haviam sido finalmente definidas; Lula e Cristina Kirchner negociariam algum impasse, enquanto Sarney esperava que nosso presidente cumprisse com a decisão do STF quanto a extradição de um tal de Cesare Battisti.
Fazia tempos que eu não ouvia as notícias, eu realmente estava por fora. E o homem continuava a falar com sua voz grave enquanto eu partia com o carro para fora daquela garagem. O nó apertando quanto mais o homem falava, agora sobre a escolha do primeiro presidente fixo da União Européia.
E o choro mais uma vez rolou pelo rosto, assim como mais uma vez o mundo continuou girando.


"...há um virar de página e a história continua, mas não o texto."
(Fernando Pessoa)

terça-feira, 21 de junho de 2011

E a gente.

A gente cai
e a gente levanta
e a gente senta
e descansa

E a gente vai
toma frente na luta
pelo oposto desta nossa vez muda
dessa nossa vida obtusa

E a gente segue
se ergue pela linha torta
de escrita tremida

E a gente sai em busca
e volta horas depois
com uma vontade absurda de berrar

E os quatro ventos persistem
no que insistimos em não ignorar

- Só há a vida por haver a morte, então se conforme!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Ultima Biografia de Canastra, parte 2

I

Então é assim?
Digo,
então morrer é assim?
Mandei-o correr o mais rápido que podia e o desgraçado correu. Correu logo após um estalido de barulho estranho, seguido de uma dor estranha – daquelas que sabe que se sente, mas não se sente de fato. Senti o chão. Senti gritos. Tudo que eu havia captado era o desgraçado correndo e algumas expressões embaçadas das pessoas que andavam em volta.
Ele havia levado meu celular. E talvez ele tivesse levado algo mais.
Afinal...
então é assim morrer?
Minha consciência está leve, vazia enfim. Parece mais aquelas minhas longas caminhadas que eu dava em busca de alguma coisa que nunca entendi ao certo o que era. Acho que entendo agora. Acho que eu procurava Paz.
Algumas luzes estão piscando agora. Algumas mãos me tocam, me levantam. Me sinto de certo modo levitar, e a leveza de não pensar em nada – a não ser os passos que eu dava, a não ser no que estou vendo – me dá algum sentido.
Sei lá,
acho que me deu vontade de chorar. Mas não posso. Estou morrendo, não estou? O quão ridículo seria isto? O que pensariam de mim? E sei que não terei como explicar a eles que o choro não é de dor, não é de medo; só me deu vontade, sei lá...
mas as manchetes não podem estampar a notícia de que enfim Canastra chora. Vão dizer que é de arrependimento pela vida estranha que levei. Vida esta que me dei de presente sem arrependimento algum do que em algum momento eu fiz.
Irônico.
Isto é absolutamente irônico.
Logo minha ultima vontade em vida ser vetada.
Talvez isto seja uma espécie de castigo.
É Deus me dizendo:
- Viu?! Você não pode fazer tudo que quer.
Nem a ultima vontade – que até mesmo aos mais sujos homens é dada – a mim foi concebida.
Mas isto é um disparate!
Vocês não vão me vencer!
Me nego, pois sim:
chorarei.

II

E chorou.
Alguns dizem ter sido o choro mais belo.
Alguns juram ter visto a face não de um homem Canastra, mas de um... algo que é melhor nem repetir; seria pecado compará-lo a algo tão bom. Ele com certeza não agradeceria por este elogio. Ele diria:
- Mas isto também é um disparate!
Pois sim, meus senhores;
eis que para Canastra a cortina se fecha, e que de outra forma seria, se não com uma gota de poesia?

III

A gota
é a gota.
É a gota
d’água
do choro
da alma
é a ultima
gota
do veneno
da vida
do dia

adia
a dor
rapaz
adia

doa
a quem doer
a quem vier ver

vira
a gota
de cabeça para cima
e virá
de volta
o sangue nas veias
a frustração do tempo
...

ouvi o que disseste,
pois bem,
esquece.

Deixe ser esta
a ultima
gota.

Como queira.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Do completo

E depois de me ter
me senti completo.
Repleto.
Esperto.
Eis que me perdi de mim mesmo.
Oras,
nunca havia antes sido tudo isto!

Mudar me causa arrepios!
Que não os de prazer,
mas os de vento frio.

Dos não's, apesar quê.

I

Difícil é jogar um jogo
onde não se ganha
não se perde
então não se perca!

Não se iluda
não se meta
a pensar
o mundo é pequeno.

Não se esqueça
que esquecer não é não lembrar,
é não se importar em um contexto onde não se lembrar é algo próximo de um apenas
não é mais tempo de ainda estar lá,
ainda que apesar.

Embora que apesar de ainda que apesar
vida:
peso.
E dos que ainda pesam.
Mas que pesam,
apenas,
e não mais causam dores musculares.

II

Mas ainda me sinto repetir;
meu vocabulário anda ainda escasso,
então tenho tentado aprender novas línguas
em meio a outras línguas.

Mas acabo sentindo falar ainda o mesmo;
ainda que em outras línguas,
o mesmo antigo sempre vicioso
antigo argumento.

Mas tento parar com este vício;
o de viciar no sofrimento,
ou na falta de
(ou na falta).

III

Aí mudo a estrutura.
Reconstruo.
Insisto na novidade.
Esqueço daquele quadro antigo
exposto na sala de minha antiga casa.
Pinto um novo.
Mas como pode?
Uso as mesmas cores.

domingo, 5 de junho de 2011

Uma nota sobre a esperança

A esperança é como uma flor de verão em dia de inverno
Bela
Rara
Eis então que você se pergunta como pode ela sobreviver
Sua
Ainda crua

E por compreender que em algum momento ela há de morrer
Arranquei-a
Guardei-a
Em meio a páginas que dizem nunca tê-la encontrado.