quinta-feira, 9 de junho de 2011

Ultima Biografia de Canastra, parte 2

I

Então é assim?
Digo,
então morrer é assim?
Mandei-o correr o mais rápido que podia e o desgraçado correu. Correu logo após um estalido de barulho estranho, seguido de uma dor estranha – daquelas que sabe que se sente, mas não se sente de fato. Senti o chão. Senti gritos. Tudo que eu havia captado era o desgraçado correndo e algumas expressões embaçadas das pessoas que andavam em volta.
Ele havia levado meu celular. E talvez ele tivesse levado algo mais.
Afinal...
então é assim morrer?
Minha consciência está leve, vazia enfim. Parece mais aquelas minhas longas caminhadas que eu dava em busca de alguma coisa que nunca entendi ao certo o que era. Acho que entendo agora. Acho que eu procurava Paz.
Algumas luzes estão piscando agora. Algumas mãos me tocam, me levantam. Me sinto de certo modo levitar, e a leveza de não pensar em nada – a não ser os passos que eu dava, a não ser no que estou vendo – me dá algum sentido.
Sei lá,
acho que me deu vontade de chorar. Mas não posso. Estou morrendo, não estou? O quão ridículo seria isto? O que pensariam de mim? E sei que não terei como explicar a eles que o choro não é de dor, não é de medo; só me deu vontade, sei lá...
mas as manchetes não podem estampar a notícia de que enfim Canastra chora. Vão dizer que é de arrependimento pela vida estranha que levei. Vida esta que me dei de presente sem arrependimento algum do que em algum momento eu fiz.
Irônico.
Isto é absolutamente irônico.
Logo minha ultima vontade em vida ser vetada.
Talvez isto seja uma espécie de castigo.
É Deus me dizendo:
- Viu?! Você não pode fazer tudo que quer.
Nem a ultima vontade – que até mesmo aos mais sujos homens é dada – a mim foi concebida.
Mas isto é um disparate!
Vocês não vão me vencer!
Me nego, pois sim:
chorarei.

II

E chorou.
Alguns dizem ter sido o choro mais belo.
Alguns juram ter visto a face não de um homem Canastra, mas de um... algo que é melhor nem repetir; seria pecado compará-lo a algo tão bom. Ele com certeza não agradeceria por este elogio. Ele diria:
- Mas isto também é um disparate!
Pois sim, meus senhores;
eis que para Canastra a cortina se fecha, e que de outra forma seria, se não com uma gota de poesia?

III

A gota
é a gota.
É a gota
d’água
do choro
da alma
é a ultima
gota
do veneno
da vida
do dia

adia
a dor
rapaz
adia

doa
a quem doer
a quem vier ver

vira
a gota
de cabeça para cima
e virá
de volta
o sangue nas veias
a frustração do tempo
...

ouvi o que disseste,
pois bem,
esquece.

Deixe ser esta
a ultima
gota.

Como queira.

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