Voltei e me encontrei com uma culpa imensa. Deparei com saudades.
Eu havia estado em sua casa poucas vezes, e já fazia tanto, tanto tempo que não voltava; mas curioso essa coisa de ainda assim parecer como ontem.
As paredes brancas - ainda que algumas rabiscadas com suas (belas) loucuras, o piso claro de cerâmica.
Era óbvio o fato de ninguém ter estado ali desde que ele havia saído pela última vez. O lixeiro da cozinha estava pela metade e a louça na pia mostrava o que ele havia almoçado pela ultima vez.
Ele me disse que iria remodelar a sala, mas permanecia a mesma.
Entrei no seu quarto e arrumei sua cama. Peguei o livro que estava na sua cabeceira, o abri e li algumas coisas. Era um livro de bolso do Fernando Pessoa, um escritor que ele me ensinou tanto a gostar. Liguei o som e começou uma música já do meio - esta: http://bit.ly/id9ixV.
Deitei na cama, abri o livro e coloquei a música para repetir.
Entreti-me um pouco como ele fazia, e eis que leio esta frase, riscada em uma página em branco do mesmo livro:
Tudo vai passar.
Tudo!
Desde o que não espera-se sentir,
ao tempo.
Fechei o livro. Desliguei a música. Peguei uma foto nossa que estava na estante, fechei a porta do quarto. Então saí do apartamento, tranquei a porta e deixei a chave com o porteiro. Segui até o carro, entrei, fechei a porta, dei a ignição, liguei o rádio e estavam passando as notícias do dia. As seleções que iriam para a Copa do Mundo de 2010 haviam sido finalmente definidas; Lula e Cristina Kirchner negociariam algum impasse, enquanto Sarney esperava que nosso presidente cumprisse com a decisão do STF quanto a extradição de um tal de Cesare Battisti.
Fazia tempos que eu não ouvia as notícias, eu realmente estava por fora. E o homem continuava a falar com sua voz grave enquanto eu partia com o carro para fora daquela garagem. O nó apertando quanto mais o homem falava, agora sobre a escolha do primeiro presidente fixo da União Européia.
E o choro mais uma vez rolou pelo rosto, assim como mais uma vez o mundo continuou girando.
"...há um virar de página e a história continua, mas não o texto."
(Fernando Pessoa)
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