domingo, 27 de fevereiro de 2011

11

Nunca vi um acidente tão...
do cantar de pneus ao cantar de sirenes,
do silêncio ao...
ao...
mal lembro, só sei que a ouvi dizendo:
algo. A ouvi dizendo algo. O motorista do carro dizia coisas também. A mulher apenas choravam, as crianças choravam junto e pouco entendiam. O motorista continuava dizendo coisas. E dizia com suas mãos na cabeça, que depois afrouxavam o nó da gravata, que depois eram postas em seu coração, que depois esfregavam seus olhos. Mãos.
Peguei nas mãos da senhora sem nem pouco o que fazer, preferi não mexer, enquanto ela dizia algo.
E dizia, sei que dizia.

10

Deveria a deixar lá?
Deveria?
Deveria mesmo?
Teria ela, em conjunto com minha decisão, o poder do Fim?
Teria ela?
Teria?
Teríamos a liberdade, quem sabe.
Teríamos tudo, exceto a liberdade, quem sabe.
Quem sabe?

9

É um belo Pôr-do-Sol, adimito. Das lanternas dos carros ligando, das filas de carros se formando, das pessoas atravessando ao enfileirar de carros. De mim atravessando ao enfileirar os carros.
Tic-Tac
faziam as sandálias
Tica-Tac
e os passos
Tic-Tac
e os passos
Tic-Tac
e um passo
Tic-Tac
e mais um passo
Tic-Tac
e as sandálias
Tic-Tac
uma sandália
Tic-Tac
outra sandália

então o silêncio.
Então nem passos
então nem sandálias.

8

Nunca entendi direito o trânsito dessa cidade. Nunca me pareceu coeso, e muito menos seus motoristas, tão certamente apontados por eles mesmos como os melhores motoristas do país. Ah, este orgulho regionalista...!
Para atravessas minha primeira rua já quase fui atropelada umas tantas vezes. Sempre por meu sempre excesso de atenção, claro. Sinal vermelho, passo adiante. Sinal vermelho, passo adiante. Sinal vermelho, passo adiante, Sinal vermelho, passo... sinal vermelho, passo...
dias e dias assim, como todos. Como todos, sempre. Sempre, como todos os dias de minha nova velhice, onde me dou o prazer da caminhada das seis horas da tarde, onde o Sol baixa e os carros fazem companhia ao jogo de luzes deste pôr-do-Sol tão apontado por estes mesmos regionalistas como o mais belo pôr-do-Sol do mundo.

7

Saudades de quando haviam todas aquelas possibilidades, todas aquelas conquistas; de quando, na juventude, tudo o que se esperava da vida era a juventude eterna. Hoje já bem se sabe que nada é nada disso e tudo que sempre nos imaginávamos ser era apenas uma visão romântica e tosca da vida real. A vida real... ah, a vida real... esta realidade castra e poluída, e voraz e intermitente de afazeres e deveres e nada mais que o sustento próprio e de alguns erros noturnos.
Não entendo. Não entendo onde foi parar todo aquele amor que sentia por todas aquelas que passavam e deixavam a sua saia esvoaçar em sua plena vontade de fazê-la, a saia, dançar - mesmo que nos dias mais mornos e pacatos. É isto, é esta a vontade que me falta, afinal: deixar-me deixar-me explodir a explosão de tudo que já pouco me importa, ou que me importa coisa nenhuma. Ou as quais me importo mas pouco me trazem importância; e não que queira eu alguma espécie de importância além desta que já tenho para mim mesmo, quero importância para ti, talvez.
Quero um sinal aberto, nesta volta pra casa.
Quero que pares de falar de seus problemas a meu lado.
Quero que olhes, digas, vejas e me permita a resposta que tanto quero responder; e não me pergunte qual pergunta, me pergunte e aí se dará a sua e a minha surpresa. Tampouco sei eu o que dizer depois. Sei do teu cinto de segurança preso em teu ventre e entre teus seios, e de nossas duas crianças brigando e nos chamando há alguns minutos; sei da tua falta de paciência agora e sei do meu silêncio improvável, que este improvável momento nunca nos esperou para ser o que é. Nunca esperou para mostrar sua cara, e nossa cara para o outro.
Talvez tenha durado pouco. O nosso momento perfeito, digo; talvez tenha durado muito pouco, por isso nem percebemos que já existiu, nem nos lembramos.
Me pergunto: te deixo onde queres ou insisto?

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Biografia da paixão Canastra

Se você me deixasse molhado um quarto de como essa chuva me deixou, meu bem... seriamos feitos um para o outro. Mas não, não consegues mexer com meus instintos como tantas, tantas outras já fizeram.
Não sou um Canastra difícil de se agradar. Talvez tenha meus limites e pesares, mas apesar disto e do outro ainda sigo um homem com suas necessidades. Tua vergonha de me ter deveria ter vergonha de si mesma.
Até mesmo esta água quente, pós-chuva de verão, me dá mais prazer que teu toque. Como pode ser isto? Não creio ser culpa tua. Quem sabe pode ser culpa minha. Ou teu nome, ou minha estatura, ou tua alma, ou minha alma suja.
Até mesmo esta alcólatra cantando em plenos pulmões dá-me mais vontade de seguir ouvindo o que tenho eu mesmo a dizer para mim mesmo que teus ganidos contidos por tremilicos em corpo todo. Descontenha-se, mulher!
Acho que a culpa é desta sua falta de se querer, pois dá-me falta em te querer, por mais que tanto te queira! Como pode ser isto, então? Não sei. Não sei. Mas sei disto tudo, então talvez eu esteja sabendo bem demais para quem se acha pouco entendedor disto tudo.
Disto tudo...
estranho.
"Disto tudo". Disto tudo?
Disto tudo o quê, mesmo?
Deste meu cansaço de ti ou destas suas insinuações invólucras em meu corpo. Não entendes. Não consegues entender, não é mesmo? Tenta limpar minh'alma, ao invés de lamberes meu corpo todo. É disto tudo que preciso me livrar. Desta sujeira toda. Destes suores de gente aquém a ti.
Nunca pensei em alguém como um Canastra dizendo o que digo.
Imagino que aconteça.
Imaginas?

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Do dia que.

Sente-se a ferida como quando se feriu. Machuca tanto quanto se descobriu a dor.

Dói.

Juntar as peças, arrumar as malas e mudar de ares... Dizer aquele tchau ao que é de costume, a alguém quem você sabe o quê. Dói a saudades mais do que se possa esperar, afinal, querer ninguém quer doer.

Perde-se a soma, perde-se o ritmo, perde-se e a busca fere. Caminha-se sobre espinho, sobre lava que me cantam que cobre tudo.

Uma dia cura. Amém ao alívio... à leveza.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Da Ressaca

Merda. Está tudo escuro. Meu chão parece mais cama de mendigo, com seus trapos e roupas e coisas de aquecer. Irônico é estar eu neste verão de noites escaldantes, da qual dormir sem roupas pouco me adianta.
Está tudo fodido, isso sim. Diga-me a direção, senhor Tempo, diga-me e, pelo visto, irei pelo lado oposto, pelo contraditório, pelo complicado. O complicado e o contraditóro me fascinam; o oposto também, o oposto do sexo oposto também. Não fui eu quem inventou as regras, não vou ser eu a cumpri-las. O complicado... o complicado me questiona o tempo todo.
- E aí, é isso aí? Só isso aí?
E lá vou eu na minha sempre perspicácia juvenil a dizer-lhe:
-Não, não mesmo. Tem mais!
Nunca me surpreendi comigo mesmo, por mais que parecer surpreso às vezes possa ser saudável para as pessoas que estão ao meu redor. As dão aquela leve sensação de que ainda há algo são num corpo tão... fodido.
Gosto de seduzir o complicado. O complicado me parece mais difícil, e ando em tédio espiritual há tanto, tanto tempo. Tanto tempo que nem lembro. Gosto de conquistar; ser conquistado é tão fácil, mesquinho – pouco se faz força e pouco se conhece de sí mesmo. Conquistar não, conquistar leva tempo, dinheiro; leva paciência, esforço. Conquistar é mais prazeroso. Gosto do prazer. Gosto de me dar prazer; aí conquisto seja lá o que seja para ser conquistado. Posso nem querer, mas passatempo ou é isto ou a bolacha que está mofando em meu armário. Nunca escolho o mais simples, afinal, já disse:
- Não, não mesmo. Tem mais!

O dia insiste em raiar logo quando estou começando a aproveitar a noite. O dia insiste em nascer só para me dizer o quanto estou perdendo tempo. Não entendo, sabe... se queres tanto assim me dizer isso, me deixe dormir à noite também, aí nos entendemos e ficamos todos satisfeitos.
Não, não, meu bem. Não sou um personagem. Já paraste para pensar o quanto se perde tempo dormindo? Dê-me este tempo todo para mim e fiques acordada todo o tempo que quiseres, é uma bela troca. Antes meus sonhos imbecis do que a realidade imbecil que desfila na minha frente de segunda à sexta, e que toma descanso aos finais de semana, onde toma seu lugar a idiotisse de todos que acham que aproveitar a vida é aproveitar cinco horas de festa e o resto de sua ressaca mal resolvida, de sua vida mal resolvida, de seus amores mal resolvidos provenientes de sua família mal resolvida. Eu não, sou muito bem resolvido: prefiro meus sonhos imbecis. Quem não prefere? Ou vais me dizer que a realidade é tão bela quanto flutuar pelas florestas, cair em abismos inacabáveis? A verdade é que belo mesmo é acordar para tomar aquele belo copo de água e voltar aos sonhos.
Tudo bem, talvez você esteja me achando um tanto exagerado demais. É que, na realidade, ando sentindo falta dos sonhos. Me perdi deles faz algumas semanas, meses, anos...
não, não. Anos não. Lembro que há uns bons meses tive um sonho belíssimo. Claro, envolvendo a vida real e suas maravilhosas possibilidades de felicidade. Ainda bem que tenho noção de realidade; na verdade, ainda bem que tenho noção das pessoas. E olha que não leio as pessoas como eu gostaria de ler. As leio erroneamente, invento-as histórias mirabolantes – sendo que a maioria sofre de amores eternos por mim, tamanho egocentrismo. Mas não é minha culpa. Tenho uma família disfuncional, você também não tem?
Não?
Ah, por favor. Vamos fazer um trato. Eu concordo em concordar com você e você concorda em concordar comigo e tudo fica espetacularmente bonito.
Aí você para de ler por aqui, e eu não preciso me esforçar a continuar falando para alguém que pouco acredita nas palavras de alguém que, provavelmente, tem muito menos idade que você. Eu espero.


II


Acordar depois de uma noite destes sonhos que não tive... que mesmo sendo sonhos que não lembro, estavam melhores que esta casa quente e bagunçada, que mais me lembra minha mente.
As portas fechadas, as janelas fechadas, as cortinas fechadas; de que adianta uma mente aberta que não sai para ver o mundo? Mas do que adianta um mundo sem o quê para ser visto?
Nunca entendi direito a lógica, o raciocínio da vida; e, na realidade, acho que nunca o entendi por perceber ser simples demais. Acabo complicando por me sentir injuriado com esta simplicidade. É só isso? Não, não, não pode ser só isso!
Dentro desta fauna de demônios que me seguem, dentre os mais perigosos estão aqueles que criei. Os que me apareceram pelo caminho lidei como lembranças de quinta, agora: como sou prepotente, até mesmos meus medos nascidos de mim são mais amedrontadores.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Poderia, se.

Agora eu poderia escrever o mais lindo poema de amor. Poderia escrever o mais belo conto de paixão. Poderia, pois não posso, não agora. Poderia, pois não tenho a quem dizer, a quem contar, a quem pedir para acender a luz para que eu possa melhor ler.
Agora eu poderia te dizer as mais belas palavras; mas a tí? A tí quem? Poderia se soubesse de ti, mas disto não sei. Sei bem sobre mim, sim. Sobre ti? Quem és?
Agora eu poderia recitar para mim os mais belos versos, citar os mais belos tons das mais belas manhãs, tardes, noites... Mas não, não posso. Poderia se me convencesse de que amo tanto assim a mim. Eu poderia me dizer o que dirias para ti mesmo, se.
Agora eu poderia fazer as mais belas declarações a mim mesmo; mas a mim? A mim quem? Poderia, se soubesse tanto quanto te digo saber de mim. Sobre mim? Quem és?
Não, não. Melhor, por agora, dar-me ao silêncio, ao suspense. Um dia as declaro, porém não em vão. Não, não; melhor agora não.