sábado, 28 de abril de 2012

Cartas D'ela - Parte 3

Dizer algo mais?
Mas há algo a se dizer?
Digo,
há algo mais que se possa fazer?
Faço questão
de não,
não dizer nada mais.

Na carta já havia tudo, no ato no não abraço já dizia tudo, na porta que deixei atrás de mim fechada já fechava todas as outras portas que abriam-se sozinhas, sem pedirmos, sem darmo-nos o trabalho de pensar em abri-las.

Que queres mais que diga
além de que não há mais nada,
nada,
nada a se dizer?

Que um dia te amei
e não mais amo?
Que um dia fui feliz
e não mais sou?
Que um dia fostes capaz de me dar de presente um sorriso, e hoje aquele relógio de prata nem mais o tempo serviu para contar os dias e as histórias que até pouco tempo atrás contávamos aos amigos que mal víamos tamanho o vício de nossa cama e banho e sofá e cozinha?

Seria diminuirmos. Seria te colocar na situação de perdedora, quando quem perdeu,
o amor pelo caminho,
fui eu.
Não doeu a partida em mim mais que em ti, então seria justo deixar isto tão claro?

Estaríamos sendo injustos, pois tu tentarias e, provavelmente, conseguiria manter-me no teu chão, e aí estarias sendo injusta com minha justiça própria - que se virou contra ti, mas que ao menos deixe-me ser vilão.
Te causei dor maior por teu imenso desde sempre orgulho.
Te conheço bem demais.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"Preciso ficar acordado,
já que não consigo dormir.",
pensei o óbvio.

Fui na cozinha fazer um café.

- Não tem café, mas tem saudade. - me disse meu garçom invisível.
Mandei enfiar a saudade no cu;
ele adorou.

- Não,
não pode ser.


sábado, 7 de abril de 2012

Daquela vez que me desfibrilei, por Canastra.

eu,
o que sempre invalidou o amor,
estou aqui
nesta noite
para dizer:

de ti que tirei os olhos,
os meus.
de ti que arranquei as pernas, uma vez que tivesse resolvido ir tão longe,
fique com as minhas.
a ti,
de uma vez que quis abraçar,
quebrei os braços em reação assustada.
paraste de tentar me sufocar,
ao menos; de correr mais que eu. de não me ver.
parei de lutar, tirei férias. férias de ti,
de mim.

eis então que uma bela manhã de noite não dormida a música tocou meu corpo dançou e da dor dos pés esqueci completamente de tanto torpor pelo transbordo d'alma.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Biografia de uma não despedida


- A vida está na capital! - já diziam os trabalhadores da revolução industrial. - Você viu, não viu? Ó no que que deu.
- Mas Maestro! Tu tens tua vida inteira aqui. Teu trabalho, tua casa, teu salário!
- Rei..., minha vida inteira está aqui.
Pegou numa mão a outra mão de fazer tremer ambas tamanha força de ambição em estar certo de suas palavras.
Um silêncio.
- Pra onde você vai...?
- Não sei ainda. Talvez eu vá até a rodoviária e escolha por lá, não pretendo carregar muito peso nas costas.
- Como não sabe, Maestro?
- E você? - fitou, então, como nunca havia fitado alguém antes.
- Eu...? - desnorteado, coagido.
- E você...? Você sabe neste exato momento para onde está indo?
E outro silêncio.
- Você me conhece, eu não sou o Cãnaã.
- Talvez esteja querendo ser.
- Tampouco sou você.
O ambiente já estava bêbado de tantas doses de silêncio.
Rei se levantou, arrumou a cadeira do bar em seu devido lugar.
- Você quem sabe.
Sem despedida, foi-se.

A cerveja havia esquentado, e a deixei ali. Pedi mais uma, acendi meu cigarro; na televisão estava passando um show de alguma banda curiosamente divertida dos anos 80. Eles estavam realmente engraçados. Engraçados de rir sozinho.
De rir sozinho.
Eu deveria começar a me acostumar com isso. Ou abraçaria a loucura.

O tempo passa mais lentamente quando você está com o copo sozinho na mesa. O gole parece que não entra, que não desce, que não faz subir a cabeça para cima; ela te faz ficar olhando o chão como se fosse o objeto mais estupendo do lugar, quando na realidade é o mais...
e eu estava já agindo Canastra.
Mas eu sei. Antes eu partir que ver ele fazer o mesmo. Uma pena não haver possibilidade de cruzar com ele no caminho.
Escolhas opostas, destinos opostos. Sua escolha, minha escolha, e respeito ambas, ainda que não estar pelo Rei seja um problema.
Nos perderemos todos, no final das contas.
É como se eu já tivesse lido isso em algum lugar.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 2, parte 1

Está quente.
Está muito quente.
Preciso trocar de ventilador, este velho já não aguenta. Ele para, ele não...
ele não ventila a dor.
Tenho que comprar um novo, pois céus...!
Está quente.

Minha testa está quente; medi minha temperatura e ela está normal, com 36°. Estou normal, o dia que está quente.
Tenho que tirar essa roupa. O colarinho...
culpa do colarinho.
Da gravata.
Da amarra.
Culpa das amarras.
Amarrado. Estou amarrado. Estou preso. Estou preso. Estou preso. Estou presidiário.
Corpo.
Corpo é pouco.
É prisão de ingênuos.
Está quente.

As paredes estão geladas. Estão geladas demais. O chão está gelado demais. Quem sabe mais ao fundo a temperatura mais amena não descansa meus olhos?
Uma caverna. Uma caverna escura, úmida, silenciosa. Espere...
estou andando na caverna.
Estou tropeçando. Está escuro.
Tropecei.
Tropecei em quê?
Tropecei em correntes. Correntes talvez me segurem aqui. É melhor colocar as correntes.
Sim,
mais seguro.
Está mais seguro com as correntes.

Silêncio.
Temperatura amena.
Olhos descansados.
Uma gravata e colarinho de melhor espécie.

A rotina é colarinho.

Cartas D'ócio, capítulo 2, parte 2

De um modo ou de outro, o objetivo sempre foi te salvar. Nada mais. Olhei pra ti e achei que eu precisava fazer isso, e fiz.
Acho que, de um jeito ou de outro...
acho que te salvei.
Quando você não quis mais ser você, te dei outra pele, e te vestistes nela como um homem veste roupa de criança - ou de como criança veste roupa de adulto; o desajeito das mangas longas e o sufocar da gola apertada.
Te tirei de ti.

Naqueles seus livros que ficaram comigo, encontrei mais de uma anotação. Uma delas que nunca esqueci foi:
" banal.
está tudo banal.

a música está banal,
os dias estão banais,
os abraços,
as conversas,
os olhares.

as despedidas.

paixões são banais;
que um dia elas passam,
e nada.

banal.
seus banais
tolos
mártires
sofredores:
está tudo banal.
que um dia tudo acaba,
que parece que nem começou.

banais.
são todos banais.
todos vocês:
banais.

todos nós.
 "

Sua letra estava melhor, então acho que foi realmente uma das últimas coisas que você pensou.
Foi minha culpa?
Todo esse teu desencontro - desencontro que teu desencontro me também causou -,
...
vai ver fui eu o vilão.
Vai ver eu deveria ter sido...
ter estado...
ter...

não. Isto teria sido pouco.
Eu que deveria ter sofrido a maldição da banalidade.