sexta-feira, 29 de abril de 2011

Biografia da estranha compaixão

Me escapa o tempo
as paixões
os ardores juvenis
as casualidades
a graça...

só não me escapa a solidão.
Esta agarrou-se entre meus dedos como que dizendo:
- Não me deixe, estou tão sozinha! - e possuo uma certa compaixão.
Abracei-a.

Biografia do círculo

Há um perigo muito grande em ficar muito próximo de si mesmo:
o de não conseguir se ver.
É como chegar muito perto de um espelho, onde quão mais nítido enxergo uma marca, menos percebo meu rosto. Ou melhor: tentar abraçar alguém sem que a perca de vista, tão impossível quanto.
Por isso por vezes me dou distância, para perceber meu corpo e meu real tamanho; aí que me perco e me esqueço de mim; aí que me aproximo de mim. Aí, então, que novamente e gradualmente me reencontro, e me aproximo, e novamente me perco de vista.
Acabo por ciclicamente me entender e me perder, ao invés de entrar eternamente na desventura do desentendimento ou no marasmo da sabedoria míope.
Acabo por ser um romance de aventura para mim mesmo

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma biografia em homenagem à Pablo Neruda

Eu poderia escrever as mais belas palavras de amor esta noite, mas a noite possui perfume de passado,
e até mesmo as luzes
e o frio
e a chuva
e o vento
carregam consigo palavras de esquecimento.
Eu poderia escrever as mais belas palavras de amor,
mas não esta noite
- ou não sobre esta noite.
Eu poderia sim nesta noite
falar sobre as passadas noites
em que tudo que esta noite me lembra;
estas sim seriam belas palavras
- isto se eu conseguisse enxergar tanta beleza na saudade.

Há um longo caminho entre entender a beleza do passado e coroar a falta,
o ausente,
em entender a beleza desta noite
por apenas entender a beleza desta noite
e não entender a beleza desta noite
como um simples lembrar daquelas noites
- em que vivíamos aquelas noites.
Eu poderia, se.
Mas não posso
não quero
não me permito
escrever as mais belas palavras
em tom de pretérito passado.

Porém tampouco consigo me deixar em silêncio.

domingo, 24 de abril de 2011

Ensaiei.

I

Em um mundo onde a Arte é o reflexo da sociedade e a Política a nossa base, tem quem não compreenda, mas ambas nunca devem ser separadas. Vide o caso mais recente:
Caetano Veloso, exilado pela Ditadura Militar, apoiando a candidata Marina Silva nas últimas eleições para a presidência do Brasil.

Triste é perceber a dita classe mais culta da nossa morada hoje ater-se a apenas falar dos amores falhos, ou resumirem-se em silêncio imposto ou homenagens de aniversário de carreira.

Ou ainda: fazer propagandas beneficentes e sentir-se no orgulho de não cobrar cachê. Ou ainda mais: plantar uma árvore em programa nacional e se sentir fazendo sua parte.

Hoje sabem melhor as crianças este ditado de nossa cultura pop:
"grandes poderes trazem grandes responsabilidades". As crianças sabem o que significa, pena não terem elas o poder. Quem o tem apenas esqueceu-se. Apenas.
A moda hoje é esconderem-se nos seus grandes descampados de cortinas coloridas e energias puras, dizendo não ter mais tamanho para caber nem mesmo nas grandes cidades. Aí vai um recado:

pão que é feito de trigo, de trigo é feito ainda. Pois bem, grandes: e quem toma forma do povo, do povo é feito.
Ao menos meus heróis morreram de overdose, assim não tenho a vergonha de não vê-los por estarem sãos e salvos em seus próprios exílios montados.

Os velhos dizem que a vez é da nova geração, e a nova geração só sabe dizer que quer mais é beijar na boca; tudo isto enquanto desvio cotidianamente dos meteoros da paixão que insistem em errar meus ouvidos.

Talvez seja uma mera ilusão dos livros de história, ou de jornalistas como Zuenir Ventura. Talvez eles não tenham sido tão pró-ativos como os autores dizem. Talvez seja uma ilusão para que haja alguém hoje dizendo o que resumo agora. Quem sabe... mas...
Ah...!
que saudade dos tempos que não tive.

II

Acho que tive uma espécie de epifanía.

Me lembrei agora de minha avó me dizendo nos tempos em que me vestia de preto, deixava o cabelo crescer, ouvia Sex Pistols e achava que isso já era um começo de algum processo para melhorar o mundo – que saudades de meus quinze anos:

- Te vestes assim por quê? Queres chocar a sociedade? Andas assim para ferir as pessoas?

Somente cinco anos depois eu pude achar uma resposta.

Me vestia como eles por logo eles, os errados, os drogados, as escórias, parecerem ser os únicos que propuseram algo de seu tempo diário para cantar como a vida estava doente. Somente quem viu os dois lados pode ter alguma claridade de pensamento de o quanto as coisas estão complicadas.

Amo minha avó como amo poucas pessoas no mundo, mas não consigo mais enxergar o cotidiano como ela espera que eu enxergue.

Há um pouco mais de mês atrás estava eu sentado na entrada da casa de um amigo, acompanhado de um amigo nosso em comum e falávamos exatamente sobre isso: abrir os olhos. Eistein já dizia que uma mente que se expande não pode mais voltar a sua forma original, e não digo que a minha tenha se tornado realmente expandida, mas de tudo que aprendi de todas pessoas que me cercaram há algo que descobri que não posso apenas pensar ser mais uma descoberta: a vida é a maior das lições.

Pois sim, como posso ignorar tudo que senti e experimentar e pensar que posso rasgar as páginas? Logo eu, que tanto gosto de livros, e os cuido tão bem...

Talvez um dia eu aprenda a fechar os olhos como fechei há um ano atrás, mas espero junto aprender a não me arrepender disto, como me arrependo agora.

E não, não; não venha me dizer para não me arrepender de nada que faço. Isso é para os tolos. Quem não se arrepende é ou porque não faz o que deseja ou se ilude com a satisfação. Faço, talvez me arrependa, e eis a prova maior de que estou vivo.

E por que isto vem ao caso?

Pelo amor já fiz tantas besteiras, e já deixei-me tanto de lado – como quando me decidi raciocinar como minha avó. E me desculpe mesmo, vovó, mas não sei seguir a fórmula do bolo caseiro. Desculpa, mas ao invés de me iludir como marido de família, vou ter que me iludir que talvez eu possa melhorar o mundo. Querendo ou não, ambos são sonhos bobos, não é mesmo?

III

Ando pelas ruas e vejo tanta gente pacata que cheguei a fazer um gráfico percentual em minha cabeça. Tracei a reta, fiz aquelas contas que fingi aprender no colegial e cheguei a uma estranha conclusão:

Porque raios aproximadamente 78,4 % das pessoas que estão vivas esperam apenas chegar vivas em casa? Fiz uma desconstrução desta porcentagem e dados mais impressionantes surgiram. Aí estão:

34,7 % delas estão tão cansadas que sonham apenas em ter um sono tranqüilo.

52,3 % delas esperam o dia acabar – ou a segunda-feira chegar – para começar a viver. E agora vem a pior estatística de todas:

87,9 % não sabem o que estão fazendo com suas vidas.

Tudo bem que isto fecha aproximadamente 160 %, coisa que nas pesquisas usuais de opinião não existe, mas eu nunca prometi ser bom em matemática.

IV

Lembro da minha primeira aula de Linguagem Fotográfica no meu curso de Fotografia, no começo do tal 2010. Fizemos uma roda imensa, quando todos nós ainda não nos conhecíamos, e começamos aquela apresentação comum de começo de curso.

A gente dizia o nosso nome, nossa idade, qual nossa pretensão dentro da área escolhida e citávamos alguns fotógrafos que nos inspirassem. Ou algo assim. O que importa é que me senti um tolo sonhador em confessar que pretendia “trabalhar com arte, se é que no Brasil era possível”. Ou algo parecido.

A verdade é que me sinto tolo por pensar assim ainda. Não por não achar que é possível, pois sim meus caros, é uma Missão Impossível – e refiro-me ao filme mesmo, onde em todos a missão é cumprida. Digo por saber do medo que tenho. Esta coisa que emperra minhas idéias e me faz abrir mão delas tantas vezes. Me sinto um tolo por querer pensar em realizar o que quer que seja quando estou tão lúcido de minhas amarras.

Querem saber o mais irônico de tudo?

Quanto mais me dizem que posso, mais tenho medo de não poder. Existe um remédio para isso?

Talvez.

V

Uma grande amiga uma vez me deu de presente de aniversário dos meus 19 anos um livro do Zuenir Ventura, 1969 – O ano que não terminou. Um grande livro, aliás. Lembro de uma passagem que contava sobre a passeata dos cem mil, que contava como o Rio de Janeiro ficou sem luz elétrica e como mesmo assim o movimento aconteceu. Contava sobre o enterro de estudante morto pela opressão da Ditadura Militar. Esta passagem foi uma das que mais me emocionaram dentre todos livros que li.

Me pego pensando que hoje, por exemplo, juntar cem mil pessoas em prol de uma causa apenas se o Brasil ganhasse a Copa do Mundo – e do jeito que está nosso conturbado amor pela pátria, olhe lá.

Neste mês ocorreu o que considero como um dos piores momentos da história de nosso país. Um homem armado entrou em uma escolha armado e protagonizou uma das maiores matanças pós-Opressão Militar. Agora me digam, se este não é um momento para irmos para a rua pedirmos por paz, qual seria?

E não falo sobre a utopia da paz, em que todos se amam e se completam em algum mar de carinho e calmaria. Até porque em todo mar algum homem se afoga. Digo sobre a paz da reconstrução de uma base onde possamos nos apoiar quando algum coleguinha da sala nos zombar. Afinal, amigos, isto é normal. Acontece que em apenas uma sociedade descontrolada mártir é aquele que acha ser isto o fim do mundo.

Já ouço gente escandalizada com o comentário, ou dizendo aquele educado: desculpa, não entendi.

Pois bem, repito: com todo meu respeito, mas esta tal nova moda que chamam de Bullyng só é um problema para a nossa situação mal resolvida de cidade mal resolvida. Ou para fracos e doentes mentais, como parece ser o caso do nosso ilustre medroso. Quem não tem aquele antigo colega de escola que te incomodava e que hoje, se passar na rua, inclusive perguntas com sinceridade como anda a vida?

Afinal de contas, até onde sei respeito é entender porque algumas pessoas se vestem estranho, mas também compreender a maturidade mental do próximo.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

E é por isso

E é por isso que moro entre Vênus e Marte:
Um é de Milo, o outro é o do Mito da Igualdade. Um é o da correnteza, o outro é dos que têm coragem. Mas não se engane, os dois são do medo; os dois são da casualidade.

E é por isso que moro entre Marte e Vênus:
Um é o dos segredos, o outro é apenas mais uma história boa, de se contar para o travesseiro. Nada mais muda, que não o encarte. Nada mais é o mesmo depois que se entende a sua parte.

É por isso que moro em chão de Terra:
pelo cheiro de terra molhada em tarde ensolarada. Tudo não passa de chuvas de verão, então.
Que depois o mundo gira,
do dia à noite, sem mistério;
do relógio que desperta ao tempo que adormece;
do corpo que é alma
e que torna a ser corpo a cada brisa gelada.

E é por isso que moro em meu corpo,
como casa que não tinha teto,
não tinha nada - que não uma cerca fechada.