quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Ultima biografia de Canastra - parte 0
Mas tudo bem. Novo emprego, terno, uma faxina em casa. Não estava me sentindo eu mesmo, então porque não completar o papel de tolo boneco do sistema infantil e atuar com, ao menos, um bom whisky - que me desculpem os preocupados com a saúde pública e o ecologicamente correto, não precisa deste guardanapo no copo.
Esta roupa correta me deixava em minha idade correta, e minha perna entrelaçada me deixava ligeiramente e perceptivelmente mais chamativo aos homens e às mulheres que, de algum modo muito estranho, acham esta feminilidade do masculino charmoso.
Eu gostaria de saber o que há de divertido nesta coisa de ficar em luz romântica quando a vida não é nada romântica. Não só a minha, não; a de ninguém. Esta meia-luz apenas prova que, na realidade, mostrar o rosto inteiro logo de início é um temor aos que procuram um amor para a vida inteira. Nos lugares onde vou é escuro, mas ali ninguém está muito preocupado com o que vai encontrar quando as luzes finalmente se acenderem. Eu realmente não sei aonde estava Eu quando resolvi ouvir o D'ócio. Ele está certo, mas estaria ele certo para me dizer algo quando a vidinha rotineira dele absorve mais poluição que ele pode expirar?
E esta... esta... "música"? O que há de errado com ela, ó, céus?! Minha sensação é de que estou preso num elevador gigante que quebrou no andar da falsa moralidade. Todos os sorrisos trocados e a sensação de que alguém vai sentar aqui e conversar sobre como o tempo está louco hoje em dia. E todas as pernas se esfregando por baixo das mesas dizendo sexo enquanto o rosto aparenta uma expressão terrível de desespero por a idade estar avançando e estarem todos eles morrendo de medo de morrer sozinhos.
Ao menos o garçom é gente boa. Ele, após uma hora, já entendia que o copo bastava chegar a um nível crítico de esvaziamento para ele já me providenciar um refil para minha sanidade. O que me incomoda é o fato de ele estar pensando que levei algum cano, e isso fica claro em cada sorrisinho de compaixão. Oras, tenha compaixão por ti mesmo, vontade de dizer; não sou eu quem está tendo que servi-los todos!
Duas horas ali sentado foi o bastante para mim. Deixei aquele lugar metade do que pretendia ficar bêbado gastando o triplo do que me era usual. Minha sorte era que eu estava a apenas uma boa caminhada de casa, e não que caminhar a esta hora - que de acordo com meu novo celular marcava pouco mais que uma da manhã - fosse necessariamente uma boa idéia, mas de más idéias a semana já havia estado cheia.
Pude, finalmente, fumar um cigarro. Pude, finalmente, não sentir-me vigiado pelos bons olhos da sociedade bonita e socialmente suja e aceita.
Pude me sentir marginal novamente. Um ex-marginal sem causa, sem palavras para chegar em casa e desenhar. Tornei-me Eu sem mim; lobo em pele de cordeiro, como dizem; basicamente um mentiroso que mente para si, um ignorante; e minha gravata estava me matando. Como um ato de boa fé, tirei-a e joguei fora ali no meio da rua.
Engraçado: sempre me senti cansado por levar o apelido que o Rei havia me dado; mas ao menos minha consciência não doía. Agora não, agora estava diferente. Era cansaço que vinha de carregar o peso de não poder-me ater ao que eu sempre pensei que tudo seria: aquilo tudo que estava sendo antes de minha péssima idéia de querer figurar o cara comum e para bom casamento. O Rei nunca havia entendido isso, mas acatei suas idéias como servil de sua monarquia de pudores. Acabei, com o tempo, sentindo medo de voltar à minha pele; o conforto dos cabelos arrumados e da roupa arrumada e de ser gentilmente atendido ludibriou minha vista deturpada.
Cheguei em casa, tirei minhas roupas e o calor me fez negar até mesmo os lençóis. Meu caderno ao meu lado, com caneta posta ao lado, ambos me pedindo um pouco de atenção. O abri e, pela data, a última vez que o havia dado motivos de alguma alegria fazia tempo demais para que eu conseguisse me conformar.
Imagine tudo o que você pensou ser se desintegrar pela rotina?
Imagine, apenas.
Tentei me masturbar, mas não haviam motivos e nem vontade. Tentei ligar a televisão, mas a desliguei cinco minutos depois. Tentei ler algum livro, mas o fechei ao ver meus rascunhos e me pegar pensando novamente em tudo que já havia pensado. Fechei os olhos e os abri após sentir uma leve fisgada de pânico.
Eu, que nunca pertenci a lugar algum antes, agora finalmente consegui a última conquista de minhas grandes atitudes contra mim mesmo: deixar de pertencer até a mim mesmo.
É de rir, mas o pior é que ainda tenho que ir trabalhar amanhã com as roupas corretas e andar com o celular de linha nas mãos como que dizendo:
- Viu?! Eu sou como vocês, eu venero o sistema!
Biografia de todo fim, início - parte 3
Eu não estava ao todo errado.
Dois anos se passaram e te confundir com algum figurão na noite não é nada raro, e talvez ter tido notícias do Maestro tenha reavivado ainda mais esta estranha sensação de infinito que te tornastes.
Ontem estive naquela boate que ias quase todas as noites e me fantasiei de tua personalidade. Não entendo o que aconteceu direito, pouco me lembro. Lembro apenas de tomar meia garrafa da vodka barata que gostavas tanto, de encher meu peito da fumaça que te fazia ser quem eras, de estufar meu ego com a possibilidade de deixar de ser o que chamavas: Rei do Ócio. Sentia raiva a cada vez que me lembrava deste apelido, e descia mais um gole. E, como um mantra, lembrava de você me chamando como me chamavas tanto, e fazia entrar outro gole. E, como um estupro, fazia isto comigo mesmo a cada minuto. Lembro que desci as escadas e o barulho começou a me abraçar em um abraço que nunca antes apenas você já havia me dado.
Lembro pouco, mas lembro de entender tua vida como um cair de ficha ironicamente divino.
Acordei dentro de meu carro no estacionamento com o sol queimando meu braço esquerdo e meu rosto. Em tato encontrei meus óculos escuros no porta luvas e consegui enxergar um pouco melhor e a cena que eu via era linda: nunca havia reparado que o estacionamento dava diretamente para a visão do oceano.
Quer dizer, foi bonito por alguns segundos. Meu estômago não aguentou e entendi porque tua garganta nunca sarava das tosses e supostas gripes e viroses; um dia faço uma mulher gozar do jeito que vomitei. Tu ririas da minha cara e diria algo como:
- Até que enfim está crescendo, D'ócio!
É engraçado. Somos o oposto um do outro, e eu sentia inveja da tua vida assim como sentias tu da minha. Querias ser mais dócil, talvez? Mas me irritava o fato de me achares doce, e tu sabias disso perfeitamente. Acho que isso que te divertia em mim: esta coisa de eu negar tanto quem eu era, quem eu sou. Estarias rindo também desta minha idéia estúpida de tentar fugir de minha pele, de fingir o que não sou para tentar tirar este manto de invisibilidade que grudou em minha carne.
Quando terminei de esguichar toda minha idiotice, endireitei-me no assento do carro e Deus, que vontade de morrer. A última vez que senti dor no corpo deste jeito foi quando entramos numa briga e tive que te segurar para não seres morto; e eis a ironia novamente: parece que não consegui te salvar, não é mesmo?
Talvez se eu não tivesse parado de tentar... ou se eu tivesse tentado e parado apenas um tempo depois... tu e esta idéia de querer defender tão fervorosamente o que tens. Era apenas um celular, seu idiota! Era só ter deixado ele levar, sem briga, sem sangue fervendo; sem essa de ter que seres tu o tempo inteiro.
Mas eu entendo agora; estavas entediado demais na vida coesa, e tampouco querias voltar para tua vida antiga. Morrestes para não te tornares uma pessoa como eu, ao final das contas; no final das contas: pagastes por teu erro de invejar minha vida pacata e estou eu aqui, ao lado de tudo que bebi, desejando morrer a sentir esta dor de cabeça filha duma puta por tentar ter tido uma noite como as tuas.
Nossa idolatria mútua não passou de veneno para o outro; eis aí nossa terceira ironia.
Um sorriso que se transformou em riso, é isso que me sobrou. Fazia tempo que eu não ria assim. A cena estava decadente, as ironias estavam engraçadas demais; somos mesmo uns fodidos, é isso que somos!
Fechei a porta, dei a ignição; voltei para casa rindo no volante. A risada, claro, fazia meu corpo todo girar, eu ainda estava um pouco bêbado e acho que quase atropelei uma dessas malditas motos que costuram o trânsito - achando isto também engraçado e rindo compulsivamente.
Não, não, meu caro amigo: desta vez termino com risadas, e não com choro. Está mais do que na hora de enfim rirmos do passado. Estás mais do que na hora de passar.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Calo.
É estranho pensar o quão dormir torna-se difícil a medida que o tempo passa. Não são, com o tempo, apenas as consequências; são, com o passar de um terrível processo de maturidade, as causas. Ou talvez um desespero por perceber quão finitos somos. Ou talvez uma sede por mais toques palpáveis do que toques reais de sonhos. Ou talvez...
ou...
talvez,
penso agora,
os tais talvezes. As ansiedades de fazer corações já acelerados acelerarem ainda mais em busca de algum cumprimento de dever ainda nem descoberto pela ânsia de querer descobrir-se embaixo das cobertas das noites frias de verões mal resolvidos por pensamentos mal resolvidos por palavras mal resolvidas por situações mal resolvidas por uma célebre falta de paciência em querer resolver tudo com paciência.
Ou talvez eu saiba menos que sei, e aí me diriam:
- Isto é coisa da idade, passa com o tempo!
Me fazendo perceber que pouco entendem o que digo, ou que não faço-me entender bem com minhas palavras, ou que ainda que falando a mesma língua, a culpa está desculpada por não ser culpa de ninguém esta falta de entendimento entre o que ouve e o que fala.
Sei que tenho sede; muita sede. Aí a afogo entre conversas levianas, saudáveis, claro, entre copos de levedura d'aquilo que todos sabemos o quê. Afogo minha sede, não a dou chance de ser sede; não me dou chance de estar sedento dentro das circunstâncias da ansiedade esta que me cala antes mesmo de começar a falar o que nem sei direito o que quero dizer. Aí desabafo palavras que não releio por medo de perceber que nada disto faz sentido.
Aí me calo novamente,
me entrego ao silêncio que dizem muitos ser oportuno não perder, em cotidiano que perder tornou-me cínico à vitória.
Aí me calo sem nem ao menos ter começado a dizer o que realmente vim dizer, por ter sido ensinado a ter vergonha de dizer o que realmente tenho a dizer; então não digo e deixo as circunstâncias serem este ciclo.
Aí...
bem...
me calo.
Sei calar-me bem.
Quando não deveria,
claro.
domingo, 6 de novembro de 2011
A última dose de Canastra
Mais uma dose de Canastra.
A música estava alta.
As doses estavam grandes, os goles estava fortes, as luzes estavam... as luzes estavam.
As bocas estavam quentes.
E mais uma boca.
E mais uma boca.
E mais outra boca.
E estava eu ali tão eu quanto sempre estive.
A música,
as doses.
Encontrei quem me disse palavras bonitas ao ouvido. Acreditei nelas, como Santo acredita em promessa de quem acredita em Santo; ouvi as palavras calmamente, senti as palavras calmamente, peguei o telefone das promessas como quem, em algum movimento de teatro, ilude as palavras a realmente lembrar seu nome. Não lembrava, porém tampouco as palavras ditas pareciam saber de onde saiam. Meras retoriedades.
Meras palavras.
Meras bocas.
A hora passava.
Em cada toque uma vontade de não ser tocado por quem tocava, mas as luzes piscava forte e a cegueira do momento exigia qualquer movimento contra a solidão eminente. Era necessária esta falta de solidão. Se fazia necessário o toque exatamente pelo fato de não pelo toque, mas pela falta do toque. O suor crescia. A memória...
se você soubesse...
cada respirar fundo antes...
cada imagem antes...
cada antes...
cada...
cada nome esquecido, número perdido, olhar ignorado. Cada caminho não trilhado.
Cada coração partido.
Estavam todos sorrindo, os pobres solitários felizes. Estavam todos dançando encantadoramente, e os braços mexiam-se, e as pernas e seus pés com seus passos fantásticos, e seus pulos e suas roupas bem pensadas; e seus olhos marejados.
Entendo os contentes por tudo isto. Os fiz entender. Os ensinei isto. Eu os inventei.
Os colchões desconhecidos,
os dias seguintes,
os cafés seguintes,
os nus desenvergonhados. Eu os inventei. Vocês bem o sabem.
Os inventei depois de tantas partidas e pouquíssimas chegadas; vejo isto apenas agora.
Sinto que agora,
apenas,
entendo isto:
este desespero pela companhia,
seja quem for.
É realmente triste isto,
de não ter com quem realmente dançar;
a música
e o silêncio,
as luzes que brilham
e os cantos escuros que fazem o show,
o campo minado que é esta variedade
de corpos que explodem de solidão.
Vejo isto apenas agora:
estão todos à procura não do beijo,
não da transa,
não do bom dia desconcertado,
muito menos do:
- Te vejo por aí.
Estão todos em busca do abraço,
das pernas entrelaças,
do aperto da cama de solteiro.
Da falta de sono
pelo prazer.
Uma pena eu ter de ir trabalhar no dia seguinte.
Acho que, na realidade, terei meus fones de ouvido como companheiros. Acho que finalmente entendi. Entendi,
finalmente,
o tamanho da solidão;
a grandeza do silêncio.
E não há nada, aparentemente, que possa me explicar como falar.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Cortinas se fecham.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Tremo
Nada mais me parece tão certo. Chegar em casa, trancar a porta, apagar as luzes e colocar esta vitrola da tecnologia para alarmar o que não sei dizer.
Nunca tudo isto me pareceu tão certo. O colchão sozinho, a sala sozinha, esta calma e este...
este "isto".
Este...
silêncio?
Talvez.
Este usurpar de mim mesmo. Este sequestro. Me parece a companhia um peso; esta coisa de não saber o que dizer e então não dizer nada: esta coisa de não precisar estar agradando, que não a mim mesmo. Esta coisa de não precisar estar falando coisas agradáveis. Não preciso, comigo, estar convencionado,
pois há uma convenção de que não sou convenção. Logo: não preciso seguir a convenção;
não entenderam?
Aí está,
esta é a questão:
se fazer entender, corretamente, a todo tempo, e estar certo, e não cometer erros, e ser alguém de exemplo, e ser alguém que alguns gostem, que outros apreciem, que alguém...
esta é a questão:
estar imerso até o último centímetro em questões, como água corrente e profunda o bastante para imergir-me até o último centímetro de alma, até o prender da respiração.
Seguir uma linha,
uma pretensão,
é pretensão demais;
é pretensão demais,
esta coisa da linha reta.
Minhas mãos tremem, oras!
Minhas mãos, tremes.
Tremo.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Biografia da sobrevida Canastra
Sei porque não escrevo bem.
É que me falta um pouco de verdade,
um pouco de acaso. Um pouco menos de razão. Meu coração adoeceu, e desde então tem batido apenas por obrigação;
quando sente o medo de parar, acelera até me deixar calado; mais vivo, sim, não posso dizer que não;
mas sentir-se vivo pelo pavor não é sentir-se vivo, é perceber que um dia pode-se morrer, apenas.
Desde então tem sido isto:
sobreviver. Uma sobrevida. Uma diversão intoxicada pela noite. Uma conversa pela metade. Um silêncio por inteiro. Não uma calma, uma dormência. Uma alergia ao comum. Um desgaste pelo inusitado, pelas histórias engraçadas, pela comédia irônica, ácida, pela chuva, pela tempestade, pela garoa, pelo calor, pelo frio, pelo suor frio, pelo suor seco, por este tempo seco.
Tornei-me,
ao menos,
um homem justo.
O problema é que justiça hoje é palavra desacreditada. Logo: tornei-me um homem descrente. Uma pena...
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Biografia de mais uma carta para Maestro
domingo, 25 de setembro de 2011
Biografia do Amor
Não julgarás uma pessoa que ama jamais!
Não julgue seus tentares atentos às suas
- suas, não dela -
necessidades.
Não julgues uma pessoa que ama,
pois quem ama,
ama,
e nada muito além disto.
A morte, já tão bem recontada por iras,
quando atem-se ao ardor da alma inquieta pelo sentir demasiado da paixão, torna-se mais perigo que a loucura da raiva.
Por isso não há julgamento coeso para quem diz o que diz por querer dizer tudo aquilo que disse por amar tudo aquilo que falou; ainda que ao reverso.
Por isso,
não a julgues, meu caro. Terias que aprender primeiro a julgar a ti mesmo, e eu sei, meu amigo, o quão difícil é saber saber de seu próprio espírito.
- À'mor'te dou tudo;
casa,
comida,
roupa lavada.
E bem sabes que já tens,
não apenas um pedaço,
uma sociedade de direito majoritário de minha alma. - ela dizia.
- Mas não;
não pedi! - ele respondia.
Ela bem sabia os números exatos da paixão. Eis que ele não. Eis que ele tampouco sabia despistar o amor, assim como pouco sabia do que queria. Ele lhe dizia:
- À'mor'te dei tudo;
minhas chaves,
minhas gavetas,
minhas cobertas.
Dei-te também uma bela parte de minha cama,
onde podes todo dia chegar com minhas chaves,
colocar teu pijama que te espera em alguma de minhas gavetas,
deitar-te e cobrir-te com uma bela parcela de minhas cobertas. - ele explicava.
- Mas não;
não foi isso que pedi! - ela respondia.
Ele bem sabia da resposta que seguiria, breve e em breve de sua tão bem explanada descrição. Ela, então, o enchia de carinhos.
- À'mor'te dou tudo;
corpo,
alma,
e mais um pouco de meu corpo,
ainda quando estava eu cansada!
Ainda quando estava eu desesperada por apenas cobrir-me de teus braços!
- Mas não;
não pedi!
Ela bem sabia que não. Mas o que poderia ela lhe oferecer além de uma alma que não o interessava e um corpo que o satisfaria, ao menos? Ele lhe dizia:
- À'mor'te dei tudo;
todas as chances,
todos apelos, correspondidos,
todos os pedidos chantageados!
Até mesmo adeus, te dei. E logo que lhe cumprimentava no dia seguinte, como se nada.
- Então,
à'mor'te dou adeus.
A ironia está contida na frieza e agilidade do amor.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A biografia do renascimento de Canastra
Andei procurando palavras bonitas para esclarecer o quão desqualificado sou para viver grandes romances.
Acontece que sou bom demais para viver grandes noites,
daquelas esquecíveis, porém memoráveis. Do dia seguinte de corpo e consciência doloridos, do gosto ruim na boca, das unhas sujas.
É como ter algum complexo de porco que gosta mais é de revolver-se na lama.
A lama é boa.
É fresca e me mantém longe do calor do Sol dos dias de passarinhos cantando e pessoas caminhando à Beira-Mar com seus cachorros e com seus óculos escuros e roupas compradas na medida de suas caminhadas tão saudáveis.
As roupas que uso para minhas caminhadas, confesso, são feitas também sob medida. As rasgadas, porcamente passadas, com cheiro de suor de todos que passamos por entre para chegar ao bar para apenas pegar mais alguma bebida que nos mantenha em estado de reflexão das luzes que ecoam pelo lugar.
Ao invés de cachorros na coleira, seres humanos soltos à procura de alguém que os prenda por alguns segundos, mas que depois os largue e os deixem ir sem problema algum.
Não sou o único.
Nunca fui o único.
Não estou sozinho, só. Estou sozinho com todos estes solitários felizes por estarem felizes por estarem simplesmente felizes. Entende?
Tinha me esquecido desta sensação de estar feliz com tudo isto. Havia caído na ladainha do filme abraçado embaixo das cobertas vendo a noite passar vazia; naquela história de se ter alguém pela vida inteira.
Não,
não,
não!
Não é frustração.
Isto já consegui algumas vezes.
Algumas felizes vezes, confesso. Mas estas coisas não são para mim. Não sei lidar direito nem comigo mesmo e ainda me pedem para conseguir lidar com alguém que conheço pouco?
Não,
não,
não!
É que todos tem esta ilusão: a de que desta vez o final será diferente. Mas o final é o mesmo. Ou então você tem a sorte de morrer primeiro, ou depois morre de tristeza por ter sido escolhido para viver o pesar de ver novamente o seu tesouro partir. De novo. Como sempre foi.
Não sei fazer isso. Não sei me conformar com a ida - e tampouco com o retorno. Por isso gosto destas coisas de apenas alguns minutos. É um contrato silencioso de que ambos sairão ilesos, em que ambos esperam sair satisfeitos, e nada mais.
E absolutamente nada mais.
Ah...
simplicidade da noite...
parafraseando um tal:
aqui me tens de regresso.
Agora,
por favor:
menos pão e mais vinho, por favor.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Bom dia, obrigado.
sábado, 23 de julho de 2011
Incompleto
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Biografia de todo fim, inicio - parte 2
terça-feira, 21 de junho de 2011
E a gente.
A gente cai
e a gente levanta
e a gente senta
e descansa
E a gente vai
toma frente na luta
pelo oposto desta nossa vez muda
dessa nossa vida obtusa
E a gente segue
se ergue pela linha torta
de escrita tremida
E a gente sai em busca
e volta horas depois
com uma vontade absurda de berrar
E os quatro ventos persistem
no que insistimos em não ignorar
- Só há a vida por haver a morte, então se conforme!
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Ultima Biografia de Canastra, parte 2
I
Então é assim?
Digo,
então morrer é assim?
Mandei-o correr o mais rápido que podia e o desgraçado correu. Correu logo após um estalido de barulho estranho, seguido de uma dor estranha – daquelas que sabe que se sente, mas não se sente de fato. Senti o chão. Senti gritos. Tudo que eu havia captado era o desgraçado correndo e algumas expressões embaçadas das pessoas que andavam em volta.
Ele havia levado meu celular. E talvez ele tivesse levado algo mais.
Afinal...
então é assim morrer?
Minha consciência está leve, vazia enfim. Parece mais aquelas minhas longas caminhadas que eu dava em busca de alguma coisa que nunca entendi ao certo o que era. Acho que entendo agora. Acho que eu procurava Paz.
Algumas luzes estão piscando agora. Algumas mãos me tocam, me levantam. Me sinto de certo modo levitar, e a leveza de não pensar em nada – a não ser os passos que eu dava, a não ser no que estou vendo – me dá algum sentido.
Sei lá,
acho que me deu vontade de chorar. Mas não posso. Estou morrendo, não estou? O quão ridículo seria isto? O que pensariam de mim? E sei que não terei como explicar a eles que o choro não é de dor, não é de medo; só me deu vontade, sei lá...
mas as manchetes não podem estampar a notícia de que enfim Canastra chora. Vão dizer que é de arrependimento pela vida estranha que levei. Vida esta que me dei de presente sem arrependimento algum do que em algum momento eu fiz.
Irônico.
Isto é absolutamente irônico.
Logo minha ultima vontade em vida ser vetada.
Talvez isto seja uma espécie de castigo.
É Deus me dizendo:
- Viu?! Você não pode fazer tudo que quer.
Nem a ultima vontade – que até mesmo aos mais sujos homens é dada – a mim foi concebida.
Mas isto é um disparate!
Vocês não vão me vencer!
Me nego, pois sim:
chorarei.
II
E chorou.
Alguns dizem ter sido o choro mais belo.
Alguns juram ter visto a face não de um homem Canastra, mas de um... algo que é melhor nem repetir; seria pecado compará-lo a algo tão bom. Ele com certeza não agradeceria por este elogio. Ele diria:
- Mas isto também é um disparate!
Pois sim, meus senhores;
eis que para Canastra a cortina se fecha, e que de outra forma seria, se não com uma gota de poesia?
III
A gota
é a gota.
É a gota
d’água
do choro
da alma
é a ultima
gota
do veneno
da vida
do dia
adia
a dor
rapaz
adia
doa
a quem doer
a quem vier ver
vira
a gota
de cabeça para cima
e virá
de volta
o sangue nas veias
a frustração do tempo
...
ouvi o que disseste,
pois bem,
esquece.
Deixe ser esta
a ultima
gota.
Como queira.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Do completo
Dos não's, apesar quê.
domingo, 5 de junho de 2011
Uma nota sobre a esperança
sábado, 28 de maio de 2011
E assim terminariam as Falsas Biografias Cotidianas.
eu fiz!
terça-feira, 24 de maio de 2011
Biografia das decisões
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Da chuva
terça-feira, 10 de maio de 2011
Biografia do frio
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Biografia de uma conclusão.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Biografia de um Canastra pacato
sexta-feira, 29 de abril de 2011
Biografia da estranha compaixão
Biografia do círculo
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Uma biografia em homenagem à Pablo Neruda
domingo, 24 de abril de 2011
Ensaiei.
I
Em um mundo onde a Arte é o reflexo da sociedade e a Política a nossa base, tem quem não compreenda, mas ambas nunca devem ser separadas. Vide o caso mais recente:
Caetano Veloso, exilado pela Ditadura Militar, apoiando a candidata Marina Silva nas últimas eleições para a presidência do Brasil.
Triste é perceber a dita classe mais culta da nossa morada hoje ater-se a apenas falar dos amores falhos, ou resumirem-se em silêncio imposto ou homenagens de aniversário de carreira.
Ou ainda: fazer propagandas beneficentes e sentir-se no orgulho de não cobrar cachê. Ou ainda mais: plantar uma árvore em programa nacional e se sentir fazendo sua parte.
Hoje sabem melhor as crianças este ditado de nossa cultura pop:
"grandes poderes trazem grandes responsabilidades". As crianças sabem o que significa, pena não terem elas o poder. Quem o tem apenas esqueceu-se. Apenas.
A moda hoje é esconderem-se nos seus grandes descampados de cortinas coloridas e energias puras, dizendo não ter mais tamanho para caber nem mesmo nas grandes cidades. Aí vai um recado:
pão que é feito de trigo, de trigo é feito ainda. Pois bem, grandes: e quem toma forma do povo, do povo é feito.
Ao menos meus heróis morreram de overdose, assim não tenho a vergonha de não vê-los por estarem sãos e salvos em seus próprios exílios montados.
Os velhos dizem que a vez é da nova geração, e a nova geração só sabe dizer que quer mais é beijar na boca; tudo isto enquanto desvio cotidianamente dos meteoros da paixão que insistem em errar meus ouvidos.
Talvez seja uma mera ilusão dos livros de história, ou de jornalistas como Zuenir Ventura. Talvez eles não tenham sido tão pró-ativos como os autores dizem. Talvez seja uma ilusão para que haja alguém hoje dizendo o que resumo agora. Quem sabe... mas...
Ah...!
que saudade dos tempos que não tive.
II
Acho que tive uma espécie de epifanía.
Me lembrei agora de minha avó me dizendo nos tempos em que me vestia de preto, deixava o cabelo crescer, ouvia Sex Pistols e achava que isso já era um começo de algum processo para melhorar o mundo – que saudades de meus quinze anos:
- Te vestes assim por quê? Queres chocar a sociedade? Andas assim para ferir as pessoas?
Somente cinco anos depois eu pude achar uma resposta.
Me vestia como eles por logo eles, os errados, os drogados, as escórias, parecerem ser os únicos que propuseram algo de seu tempo diário para cantar como a vida estava doente. Somente quem viu os dois lados pode ter alguma claridade de pensamento de o quanto as coisas estão complicadas.
Amo minha avó como amo poucas pessoas no mundo, mas não consigo mais enxergar o cotidiano como ela espera que eu enxergue.
Há um pouco mais de mês atrás estava eu sentado na entrada da casa de um amigo, acompanhado de um amigo nosso em comum e falávamos exatamente sobre isso: abrir os olhos. Eistein já dizia que uma mente que se expande não pode mais voltar a sua forma original, e não digo que a minha tenha se tornado realmente expandida, mas de tudo que aprendi de todas pessoas que me cercaram há algo que descobri que não posso apenas pensar ser mais uma descoberta: a vida é a maior das lições.
Pois sim, como posso ignorar tudo que senti e experimentar e pensar que posso rasgar as páginas? Logo eu, que tanto gosto de livros, e os cuido tão bem...
Talvez um dia eu aprenda a fechar os olhos como fechei há um ano atrás, mas espero junto aprender a não me arrepender disto, como me arrependo agora.
E não, não; não venha me dizer para não me arrepender de nada que faço. Isso é para os tolos. Quem não se arrepende é ou porque não faz o que deseja ou se ilude com a satisfação. Faço, talvez me arrependa, e eis a prova maior de que estou vivo.
E por que isto vem ao caso?
Pelo amor já fiz tantas besteiras, e já deixei-me tanto de lado – como quando me decidi raciocinar como minha avó. E me desculpe mesmo, vovó, mas não sei seguir a fórmula do bolo caseiro. Desculpa, mas ao invés de me iludir como marido de família, vou ter que me iludir que talvez eu possa melhorar o mundo. Querendo ou não, ambos são sonhos bobos, não é mesmo?
III
Ando pelas ruas e vejo tanta gente pacata que cheguei a fazer um gráfico percentual em minha cabeça. Tracei a reta, fiz aquelas contas que fingi aprender no colegial e cheguei a uma estranha conclusão:
Porque raios aproximadamente 78,4 % das pessoas que estão vivas esperam apenas chegar vivas em casa? Fiz uma desconstrução desta porcentagem e dados mais impressionantes surgiram. Aí estão:
34,7 % delas estão tão cansadas que sonham apenas em ter um sono tranqüilo.
52,3 % delas esperam o dia acabar – ou a segunda-feira chegar – para começar a viver. E agora vem a pior estatística de todas:
87,9 % não sabem o que estão fazendo com suas vidas.
Tudo bem que isto fecha aproximadamente 160 %, coisa que nas pesquisas usuais de opinião não existe, mas eu nunca prometi ser bom em matemática.
IV
Lembro da minha primeira aula de Linguagem Fotográfica no meu curso de Fotografia, no começo do tal 2010. Fizemos uma roda imensa, quando todos nós ainda não nos conhecíamos, e começamos aquela apresentação comum de começo de curso.
A gente dizia o nosso nome, nossa idade, qual nossa pretensão dentro da área escolhida e citávamos alguns fotógrafos que nos inspirassem. Ou algo assim. O que importa é que me senti um tolo sonhador em confessar que pretendia “trabalhar com arte, se é que no Brasil era possível”. Ou algo parecido.
A verdade é que me sinto tolo por pensar assim ainda. Não por não achar que é possível, pois sim meus caros, é uma Missão Impossível – e refiro-me ao filme mesmo, onde em todos a missão é cumprida. Digo por saber do medo que tenho. Esta coisa que emperra minhas idéias e me faz abrir mão delas tantas vezes. Me sinto um tolo por querer pensar em realizar o que quer que seja quando estou tão lúcido de minhas amarras.
Querem saber o mais irônico de tudo?
Quanto mais me dizem que posso, mais tenho medo de não poder. Existe um remédio para isso?
Talvez.
V
Uma grande amiga uma vez me deu de presente de aniversário dos meus 19 anos um livro do Zuenir Ventura, 1969 – O ano que não terminou. Um grande livro, aliás. Lembro de uma passagem que contava sobre a passeata dos cem mil, que contava como o Rio de Janeiro ficou sem luz elétrica e como mesmo assim o movimento aconteceu. Contava sobre o enterro de estudante morto pela opressão da Ditadura Militar. Esta passagem foi uma das que mais me emocionaram dentre todos livros que li.
Me pego pensando que hoje, por exemplo, juntar cem mil pessoas em prol de uma causa apenas se o Brasil ganhasse a Copa do Mundo – e do jeito que está nosso conturbado amor pela pátria, olhe lá.
Neste mês ocorreu o que considero como um dos piores momentos da história de nosso país. Um homem armado entrou em uma escolha armado e protagonizou uma das maiores matanças pós-Opressão Militar. Agora me digam, se este não é um momento para irmos para a rua pedirmos por paz, qual seria?
E não falo sobre a utopia da paz, em que todos se amam e se completam em algum mar de carinho e calmaria. Até porque em todo mar algum homem se afoga. Digo sobre a paz da reconstrução de uma base onde possamos nos apoiar quando algum coleguinha da sala nos zombar. Afinal, amigos, isto é normal. Acontece que em apenas uma sociedade descontrolada mártir é aquele que acha ser isto o fim do mundo.
Já ouço gente escandalizada com o comentário, ou dizendo aquele educado: desculpa, não entendi.
Pois bem, repito: com todo meu respeito, mas esta tal nova moda que chamam de Bullyng só é um problema para a nossa situação mal resolvida de cidade mal resolvida. Ou para fracos e doentes mentais, como parece ser o caso do nosso ilustre medroso. Quem não tem aquele antigo colega de escola que te incomodava e que hoje, se passar na rua, inclusive perguntas com sinceridade como anda a vida?
Afinal de contas, até onde sei respeito é entender porque algumas pessoas se vestem estranho, mas também compreender a maturidade mental do próximo.
segunda-feira, 4 de abril de 2011
E é por isso
terça-feira, 29 de março de 2011
Do desmedir
Biografia de mais uma noite Canastra
segunda-feira, 28 de março de 2011
Dos Fantasmas
quinta-feira, 24 de março de 2011
Do colo da vida.
quarta-feira, 23 de março de 2011
Mais uma carta para Maestro
terça-feira, 22 de março de 2011
Mais uma carta Canastra
segunda-feira, 21 de março de 2011
Biografia novamente Canastra
domingo, 20 de março de 2011
Sombrancelhas
sexta-feira, 18 de março de 2011
Mas não é bem assim
Destes tais discursos
domingo, 13 de março de 2011
Nada não, melhor:
sexta-feira, 4 de março de 2011
Da janela da sala
Não,
o que vejo pela janela não é chuva;
são as flores caindo,
é o verão se despindo em inverno.
É a alegria dizendo: e lá se foi mais uma estação. É a alegria dizendo:
- Te lembras? Ainda tens tempo nas mãos.
É a pétala deslizando,
é a tristeza.
É Vênus de Milo e Marte sorrindo,
é a ironia do destino.
Não,
o que vejo não é o que vejo.
É o que o mundo se tornou,
é o vento da noite transformando-se em manhã,
é o amanhã que nunca mais verei como ontem,
é o velho,
é o eterno,
é o sem nome para o que chamam de amor
que em sí possui um nome dito por tantos
mas não dito mais por mim por rancor.
Não,
é certo que já não sei mais o que vejo.
Chame como quiser,
pois chamo eu como quero.
Não,
é certo que já não sei mais se quero.
Pois sim, me rendo
ao tear das três irmãs.
Da ausência.
Há uma certa saudade
em matar a saudade.
Pois minha loucura tem pé,
cabeça,
mãos
e olhos gentis.
Tem nome.
Tem saudades,
e me mantém vivo durante a noite.
Há uma certa ausência nesta ausência de mim para mim mesmo.
Quem sabe seja de mim, também,
ainda que esta não seja a ausência maior.
Eu me sinto falta,
mas que falta fazes, ainda.
Ainda há a ausência.
Des-depois, parte I
O caótico disto tudo é que ando fazendo isto tudo por um motivo. As coisas que faço, as coisas que digo, as coisas que me tornei; o tal que me despi. Quero aparecer nas capas de revistas, jornais; na televisão em entrevistas; por todos os meios para mandar um recado para você. Nas exposições terá você, no livro terá como agradecimentos, você. Vou dizer:
“A você,
para te dizer sobre a saudade,
para te contar sobre desde então,
desde que esta tal saudade apareceu;
é isto que tenho feito, ininterruptamente, para lhe dizer
o que tenho feito
do que tenho andado
sobre o que tenho pensado
de quanto me arrependo.
Este livro é para você.”
Vou dizer isto, com seu nome no topo. Nome e sobrenome, e apelido, e endereço, e ocasião.
É frustrante, eu sei. Me frustra saber disso, que ando fazendo tudo isso para o clímax ser chamar a tua atenção, ouvir teu esbravejar. Mas tive azar; nesta vida fomos postos deste lado – um oposto ao outro. Nas anteriores como pode ter sido? Alguma delas deve ter sido extremamente feliz, para tornar-se este carma. Até me pego pensando que esta é a última que nos encontraremos: depois disso é o infinito. Tomei como ultima prova imposta, afinal: não há nada maior que o amor, se não o desamor, e encontramos exatamente as duas munidas de cada uma, um.
Nunca antes escrevi tantas incertezas, tantos “talvezes”, tantos “issos, distos” - pois não, não sei chamar do que chamam, por medo, vergonha talvez. Talvez. Talvez vergonha disto.
Viu? Incertezas.
Certezas? Combustível. Tem se tornado combustível.
II
Sou obrigado a reler tudo em voz alta, junto de meus venenos em mãos, só para ter certeza de que disse isso algum dia.
...Ao menos mais uma certeza.
terça-feira, 1 de março de 2011
Des-bEla, parte I
Será que vou sentir sua falta, como você provavelmente vai sentir falta minha? Talvez.
Me lembro de nós dois uma vez no parque, nós deitados na grama seca, como personagens de alguma trama feliz. Eu acariciando seus pêlos dos braços e de sua barba mal feita, tentando chamar sua atenção enquanto tinhas um olho em meus olhos e outro nas bundas bontas que passavam.
Sabia da tua necessidade de ser de todos; a entendia; mas naquela tarde, ao menos naquela tarde, te queria inteiro pra mim. Nunca conversamos sobre isso. Deveríamos ter conversado sobre isso?
Talvez.
Assim como eu gostaria de ter te dito coisas naquela vez, a primeira vez em que dormimos juntos em seu antigo apartamento. Não eramos um casal, eramos apenas bons conhecidos, quem sabe amigos; nem lembro o que nos dizíamos enquanto deixavas teu celular tocando músicas que gostavas, e que eu gostava também. Naquela época eu sabia que tinhas uma no teu coração, que não eu; Enquanto eu já estava descobrindo que estavas entrando arrebatadoramente no meu. Mas eu também tinha outro, mas que não sabia nada mais que entrar em minha boca, ou em minha vagina.
Nos conhecíamos há meses, tínhamo-nos confissões feitas. Lembras quando nos beijamos pela primeira vez?
Talvez.
Eu lembro.
Foi em um sonho lindo.
Você estava sentado em um sofá bege de três lugares, com uma porta de quatro águas de vidro de correr que dava em uma minúscula sacada, com um visual de prédios da Grande-Cidade-Grande, e movimentada.
As cortinas dançavam envergonhadas enquanto a luz de um sol de 10 da manhã esquentava o piso cerâmico, e seu rosto. Estavas com olhos gentis, como de quando me olhavas antes. Estávamos envergonhados, parece que tínhamos brigado alguma briga de vida inteira.
Andei até perto de você com cautela, pois por algum motivo aquilo tudo parecia ter sido minha culpa; me sentia com culpa. Me sentei ao seu lado, me olhaste e me disseste com a mesma gentileza dos seus olhos:
- Tudo bem.
E me beijou.
Talvez tenha sido isso. Talvez minhas espectativas estivessem muito além em relação a nós dois. E digo “a nós dois” pois, apesar de tudo que me dizia e reclamavam ao seu respeito, era você quem eu precisava ver ao final de nossos dias que conhecias tão bem.
Sempre me ajudaste a carregar meus pesos. Garoto,
será que vou sentir falta de você como não acho que vou sentir?
Agora já não importa. As malas estão feitas, as passagens estão compradas e nosso adeus está sendo dado. Obrigado pelo adeus, ao menos; foi uma bela tarde, está sendo uma bela noite e o dia está raiando.