quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Biografia de um passado Canastra

O passada de cada um é seu. Não por opção, sim por consequência - é claro. É claro que não há como escapar, é certo que não há como deixar o passado passar.
Nem um ano pode mudar, nem dez.


O passado faz sangrar ao fechar dos olhos. Em um piscar, pode curar. Me deixar sentar e pensar não é fato fácil. Deixar o paralelo entre ontem, ante-ontem e hoje rastrear o meu estado atual é impossível de definir. Nem sei por onde começo a pensar, para lembrar.
Simplesmente acontece;

Entre linhas S-ete

O sossego não trás apelo, só fragmenta.
Não sei se é comodismo ou felicidade
do cansaço do dia, do cansaço do gozo. Do cansaço do riso, ou do cansaço de si.
Quem disse que não dá trabalho rir não sabe. Se a culpa é tua,
a culpa é minha, se.
Do cansaço de se querer bem, sempre tão bem.
Bem-estar-bem, sempre estou aí! Para o que der e vier,
para o que der e convir! Bem que nada como sentir-se.
Sentir a sí, por inteiro. Sentir a tristeza como prêmio.
Ou algum encômodo, alguma irritação. Não sentir-se sorrindo,
não sou vendedor. Sou mim por inteiro,
algo aí, perdido no palheiro. Palheiro aos prantos
que o sossego não trás apelo. Só fragmenta eu,
me diminui a reles vendedor.
Pois não sou!
Sorriso Colgate vale dinheiro; pois meu bem, meu sorriso não vai valer meu bem.
Não é pranto, não é felicidade.
É sorriso,
sorriso de vendedor. Pois não vendo minha alma,
esta tal, que mal tenho. Pois não vendo minha carne,
pois não vendo satisfação. Tampouco felicidade.
Vendo uma triste idéia de felicidade contínua e imutável. Incansável. Aliás: venderia,
se.

Biografia S

Existe um longe abismo entre ser feliz e estar acomodado. Ser feliz é sorrir, estar acomodado é sorrir ainda assim; eu sei. Ser feliz é ver televisão e ser feliz, estar acomodado é ver televisão e... é isso aí.
Ser feliz é enlouquecer, pegar o seu carro, encher o tanque, encher o porta-malas, atirar-se em algum lugar e pronto! Ser feliz!
Estar acomodado é fazer tudo isso e pensar - que merda, tem muito sol. Ou que está chovendo. Ou que está nublado. Ou que anoiteceu.
Ser
e
Estar. Ser, estar. Estar, ser. Serestar.

Deixei a janela aberta para entrar muito, muito vento. Muito vento mesmo! Queria tirar o cheiro da cidade grande. O som das buzinas estavam impregnadas nos bancos de couro. A fumaça negra impregnada nos espelhos. Encrostada no espelho.
Apesar das teorias, nunca pus em prática a idéia de que eu realmente poderia estar levando uma vida meramente satisfatória. Aquela conectividade com o seu Eu, aquela sensação de "epa, tem algo errado aqui". Não é querer reclamar do excesso de momentos tranquilos. É só o saber que tranquilidade não é felicidade.
Não sabia o que Canastra e Maestro pensariam do seu blackout, e tampouco lhe preocupava agora. Havia saído da cidade à horas, apenas.
Pensou em muitos lugares a que visitar, muitas lembraças a resgatar. Uma vida a se lembrar, a se voltar para. Havia para onde voltar.
Queria apenas esquecer as novidades e viajar de volta para alguma época feliz de sua vida. E depois voltar para o trabalho, suas férias não seriam para sempre. À partir de agora Rei teria apenas 713 horas e 23 minutos para a volta para sua real casa.
A cidade grande, grande cidade pequena, onde todos se encontravam e poucos se viam ainda residia ao sul, ainda tinha rastros de propagandas, ainda possuía a sua marca.
- Tenho de mandar um cartão aos dois - pensou. E seguiu,

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Biografando Saudades

Não sabia quantas escalas teria de passar até chegar à Saudades. Peguei o pior ticket, na esperança de enjoar de longas viagens e não pretender voltar. E acabei pegando gosto pela poltrona ruim. A companhia era boa.
A cada algumas paradas o motorista anunciava o local e o destino. Nunca soube por que meios chegar a algum lugar, ao meu destino. Destino sempre visava algum sinônimo para "incerto". Nunca estive tão calmo em relação às desconectividades da vida e, por mais que negasse, a lenda de na morte as estrelas serem nosso destino nunca me pareceu tão certa.
Uma estrela adormecida não perde seu brilho, só muda de charme.

Penso que cruzei o país, mas a verdade é que uma viagem que provavelmente levaria algumas 12 horas, simplesmente virou mais que um dia. As estradas esburacadas, as várias cidades perspassadas.
Na noite do segundo dia chegamos. A rodoviária se fazia distante da pequena cidade. Estrada de chão, clima serrano. Fui obrigado a colocar um abrigo por cima da camiseta velha. Estela fez o mesmo, com o rosto inchado do sono. Encantadora, como sempre.
- Nem acredito que chegamos - me disse, trazendo um bocejo consigo. Espriguiçou-se levantando os braços, alongando a coluna e mostrando parte da barriga menina.
- Não posso reclamar - e rímos.
Deixamos os poucos sobreviventes deste quase translado sair na frente, enquanto organizávamos a bagunça. Coberta e livro na mochila, comidas pela metade em sacolas pequenas. Saí me sentido turísta, claro. E Estela, como todas as mulheres, de mala e cuia.
Via-se o céu do Box 03, onde o ônibus estacionara. Limpo, gelado. Nossos olhos num abre e fecha insistente.
- Sabe onde vai dormir?
- Não faço idéia. Não sabia que chegaríamos à noite.
- Tudo bem, tenho uma casinha alugada. Pode ir para lá. De um modo ou de outro é sempre bom ter mais alguém, caso precise matar alguma barata ou algum tempo.
- Não vou fazer que não quero.
- Nem se dê ao trabalho!
Seguindo a estrada vi a cidade um pouco abaixo. Nem havia reparado o vale no nome da cidade.
- Vale Saudades, cá estamos. - ela parou, colocou a mala no gramado do canto de estrada - Nem sei, passo poucas semanas longe e me parecem meses.
Nem me atreví a renegar. Fiz o mesmo.
- É bonito mesmo.
A estradinha levava a um pequeno portal que levava o nome do lugar. Por algum motivo estranho a estrada grande não passava por alí, mas a vista bela conteve meus raciocínios. Poucas luzes acesas, barulho algum. 11 horas da noite e já não havia movimento sequer em botecos.
Fora de qualquer eixo, fora de qualquer olho de algum qualquer. Vale Saudades não me saudou com alegria, mas com paz. A tal paz merecida.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Biografia do encontro

Me parou uma mulher a gesticular com a boca. Fiz sinal que não ouvia e tirei os fones do ouvido.
- Oi, esse passa pelo Parque Central?
Sorri.
- Não faço idéia!
Me sorriu de volta e sentou ao lado. Nem tinha reparado o senhor do meu lado sair. Não sabia que de uma cidade grande a outra qualquer demoraria tanto.
- Então quer dizer que teremos um forasteiro naquela cidadela... - incrível, mas os óculos escuros não mascararam sua boa vontade em me mostrar algum lugar para pernoitar.
- Só sei que paro no Terminal das Saudades.
O ônibus chacoalhava com as estradas mal cuidadas do interior. Das três horas da tarde que saí, não se via nem o sol do dia. Já se via o amanhecer de um novo.

E já se encontrava o meio-dia. Estela, que por R não deixava de ser estrela, me manteve com a cabeça para o futuro. Nem lembrei e reparei onde estava, para onde ia. Me contou seus planos com sotaque algum. Não era menina de lá, percebia-se isto de longe.
Ao pararmos para o almoço fez prato urbano. Muita salada, sem carne, um arrozinho e alguma coisa para deixar bonito. O de sempre, como sempre.
- Quando chegarmos vou te mostrar o parque, é muito bonito. Entardecer nem esfria, muitas árvores!
- Onde eu morava tinha um imenso, morava perto.
- Pois esse você também vai gostar!
Me fazia parar de falar sobre os passos dados. O que muita gente tentara por anos, conseguiu em poucas horas.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Biografia do Nexo

E o nexo mudou de msn, apagou o orkut; trocou de telefone. Era amigo de infância, mas como qualquer outro irmão sem sangue, perdeu-se pelo caminho.
Foi uma daquelas viagens sem volta. Foi, não voltou - nem cartão postal mandou, eu dizia. Nem lembro exatamente quando, só percebo quando sinto falta. Imagino seu destino, e a idéia dele sequer querer lembrar de mim não me mata, não me instiga, não entristece. Tampouco me conforta.
A gente cresce e deixa para trás o que nos cansa, o que nos ama, o que queremos...
e esta é apenas mais uma perda ao longo de uma estrada Free Way, mais rápida que os carros e mais perigosa que os motoristas. Que, ao menos, dependendo do horário - claro - possui aquele sol das cinco, ou das seis. Ou das sete, em horário de verão.
Será que o nexo volta ou vou ter de aprender a conviver sem?