sábado, 29 de dezembro de 2012

Sem título (ou: não sei fazer títulos tão bem quanto sei fumar cigarros.)





I

Feliz sorrio
o louco
que de
tanta sorridência
me enlouqueceu.

Que maldição,
louco!
Sorrir assim tão fácil,
e nem me adoeceu!

Dai-me um trigo,
louco,
que dele faço mil.

II

Erro na mate
mática,  mas
não me asso
mbro. Já  nu
nca fui muito
bom  da  raz
ão.

III

Dai-me um Santo,
louco,
que dele me isento
da crueldade.

IV

Conceitos ralos,
ralé de pensamento;

bem mal amor ódio
palavra
palavra
palavra
palavra

Lavra é saber
ser homem em
tempos de
palavras.

V

Louco,
dai-me tua
loucura.

VI

Enfim
sós.


sábado, 27 de outubro de 2012

Rios.




Riu
de morrer de rir.

Frio
bate o pé,
sobe as coxas,
treme o ventre,
sobe as partes,
desce os olhos;

                                                   desço os olhos.
                                                   viro os olhos.
                                                   fecho os olhos.
                                                 
gemo.
desço corpo;
deixo.
deixo corpo.

afogo
se és curva no tráfego.


Ri os
tolos
do sufoco
do não saber
se braços
se leito.

Ri os
lábios
ao sufoco
ao não saber
quem mente
quem sente.

Rios
para nação,
Francisco belo.
Pó.
Vermelho
pôr-do-sol.

Acaricia-me os cabelos,
os pelos,
os portantos,
os contudos;
deixo corpo
seguir correnteza.




domingo, 29 de julho de 2012

nó.

é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó
é um nó é um nó é um nó é um nó


é um só.
é Um só.
é um só
rapaz,
só mais um

rapaz,
na mais estilo clichê Cinza São Paulo Solidão Prédios.

sou só.
só mais um.
só mais um rapaz.

eu,
só rapaz,
e tu,
só rapaz,
porém,
juntos,
nós.

nós
cegos.
surdos.
mudos.
inquietos.

             passado
             é
             pó.
             é de dar nó.
           
dó.
ré.
mim.
faz
Sol
nascer                                                            vermelho
                                                                      dos teus olhos na fotografia.
                                                                      são divertidos olhos.








volta.
volta que linha solta não sabe desejar liberdade.
volta,
vai.

volta,
que solidão,
assim só,
é nó dor na gargante.




sábado, 28 de abril de 2012

Cartas D'ela - Parte 3

Dizer algo mais?
Mas há algo a se dizer?
Digo,
há algo mais que se possa fazer?
Faço questão
de não,
não dizer nada mais.

Na carta já havia tudo, no ato no não abraço já dizia tudo, na porta que deixei atrás de mim fechada já fechava todas as outras portas que abriam-se sozinhas, sem pedirmos, sem darmo-nos o trabalho de pensar em abri-las.

Que queres mais que diga
além de que não há mais nada,
nada,
nada a se dizer?

Que um dia te amei
e não mais amo?
Que um dia fui feliz
e não mais sou?
Que um dia fostes capaz de me dar de presente um sorriso, e hoje aquele relógio de prata nem mais o tempo serviu para contar os dias e as histórias que até pouco tempo atrás contávamos aos amigos que mal víamos tamanho o vício de nossa cama e banho e sofá e cozinha?

Seria diminuirmos. Seria te colocar na situação de perdedora, quando quem perdeu,
o amor pelo caminho,
fui eu.
Não doeu a partida em mim mais que em ti, então seria justo deixar isto tão claro?

Estaríamos sendo injustos, pois tu tentarias e, provavelmente, conseguiria manter-me no teu chão, e aí estarias sendo injusta com minha justiça própria - que se virou contra ti, mas que ao menos deixe-me ser vilão.
Te causei dor maior por teu imenso desde sempre orgulho.
Te conheço bem demais.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"Preciso ficar acordado,
já que não consigo dormir.",
pensei o óbvio.

Fui na cozinha fazer um café.

- Não tem café, mas tem saudade. - me disse meu garçom invisível.
Mandei enfiar a saudade no cu;
ele adorou.

- Não,
não pode ser.


sábado, 7 de abril de 2012

Daquela vez que me desfibrilei, por Canastra.

eu,
o que sempre invalidou o amor,
estou aqui
nesta noite
para dizer:

de ti que tirei os olhos,
os meus.
de ti que arranquei as pernas, uma vez que tivesse resolvido ir tão longe,
fique com as minhas.
a ti,
de uma vez que quis abraçar,
quebrei os braços em reação assustada.
paraste de tentar me sufocar,
ao menos; de correr mais que eu. de não me ver.
parei de lutar, tirei férias. férias de ti,
de mim.

eis então que uma bela manhã de noite não dormida a música tocou meu corpo dançou e da dor dos pés esqueci completamente de tanto torpor pelo transbordo d'alma.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Biografia de uma não despedida


- A vida está na capital! - já diziam os trabalhadores da revolução industrial. - Você viu, não viu? Ó no que que deu.
- Mas Maestro! Tu tens tua vida inteira aqui. Teu trabalho, tua casa, teu salário!
- Rei..., minha vida inteira está aqui.
Pegou numa mão a outra mão de fazer tremer ambas tamanha força de ambição em estar certo de suas palavras.
Um silêncio.
- Pra onde você vai...?
- Não sei ainda. Talvez eu vá até a rodoviária e escolha por lá, não pretendo carregar muito peso nas costas.
- Como não sabe, Maestro?
- E você? - fitou, então, como nunca havia fitado alguém antes.
- Eu...? - desnorteado, coagido.
- E você...? Você sabe neste exato momento para onde está indo?
E outro silêncio.
- Você me conhece, eu não sou o Cãnaã.
- Talvez esteja querendo ser.
- Tampouco sou você.
O ambiente já estava bêbado de tantas doses de silêncio.
Rei se levantou, arrumou a cadeira do bar em seu devido lugar.
- Você quem sabe.
Sem despedida, foi-se.

A cerveja havia esquentado, e a deixei ali. Pedi mais uma, acendi meu cigarro; na televisão estava passando um show de alguma banda curiosamente divertida dos anos 80. Eles estavam realmente engraçados. Engraçados de rir sozinho.
De rir sozinho.
Eu deveria começar a me acostumar com isso. Ou abraçaria a loucura.

O tempo passa mais lentamente quando você está com o copo sozinho na mesa. O gole parece que não entra, que não desce, que não faz subir a cabeça para cima; ela te faz ficar olhando o chão como se fosse o objeto mais estupendo do lugar, quando na realidade é o mais...
e eu estava já agindo Canastra.
Mas eu sei. Antes eu partir que ver ele fazer o mesmo. Uma pena não haver possibilidade de cruzar com ele no caminho.
Escolhas opostas, destinos opostos. Sua escolha, minha escolha, e respeito ambas, ainda que não estar pelo Rei seja um problema.
Nos perderemos todos, no final das contas.
É como se eu já tivesse lido isso em algum lugar.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 2, parte 1

Está quente.
Está muito quente.
Preciso trocar de ventilador, este velho já não aguenta. Ele para, ele não...
ele não ventila a dor.
Tenho que comprar um novo, pois céus...!
Está quente.

Minha testa está quente; medi minha temperatura e ela está normal, com 36°. Estou normal, o dia que está quente.
Tenho que tirar essa roupa. O colarinho...
culpa do colarinho.
Da gravata.
Da amarra.
Culpa das amarras.
Amarrado. Estou amarrado. Estou preso. Estou preso. Estou preso. Estou presidiário.
Corpo.
Corpo é pouco.
É prisão de ingênuos.
Está quente.

As paredes estão geladas. Estão geladas demais. O chão está gelado demais. Quem sabe mais ao fundo a temperatura mais amena não descansa meus olhos?
Uma caverna. Uma caverna escura, úmida, silenciosa. Espere...
estou andando na caverna.
Estou tropeçando. Está escuro.
Tropecei.
Tropecei em quê?
Tropecei em correntes. Correntes talvez me segurem aqui. É melhor colocar as correntes.
Sim,
mais seguro.
Está mais seguro com as correntes.

Silêncio.
Temperatura amena.
Olhos descansados.
Uma gravata e colarinho de melhor espécie.

A rotina é colarinho.

Cartas D'ócio, capítulo 2, parte 2

De um modo ou de outro, o objetivo sempre foi te salvar. Nada mais. Olhei pra ti e achei que eu precisava fazer isso, e fiz.
Acho que, de um jeito ou de outro...
acho que te salvei.
Quando você não quis mais ser você, te dei outra pele, e te vestistes nela como um homem veste roupa de criança - ou de como criança veste roupa de adulto; o desajeito das mangas longas e o sufocar da gola apertada.
Te tirei de ti.

Naqueles seus livros que ficaram comigo, encontrei mais de uma anotação. Uma delas que nunca esqueci foi:
" banal.
está tudo banal.

a música está banal,
os dias estão banais,
os abraços,
as conversas,
os olhares.

as despedidas.

paixões são banais;
que um dia elas passam,
e nada.

banal.
seus banais
tolos
mártires
sofredores:
está tudo banal.
que um dia tudo acaba,
que parece que nem começou.

banais.
são todos banais.
todos vocês:
banais.

todos nós.
 "

Sua letra estava melhor, então acho que foi realmente uma das últimas coisas que você pensou.
Foi minha culpa?
Todo esse teu desencontro - desencontro que teu desencontro me também causou -,
...
vai ver fui eu o vilão.
Vai ver eu deveria ter sido...
ter estado...
ter...

não. Isto teria sido pouco.
Eu que deveria ter sofrido a maldição da banalidade.

terça-feira, 27 de março de 2012

Cartas D'ócio, capítulo 2, parte 1



Eu estava andando pela rua; eu estava estrangeiro, e eu havia, porém, verdadeiramente nascido naquelas ruas.
Eu não sabia mais os buracos, os percalços, o ritmo de atravessar ruas lotadas de carros apressados. Eu sabia tão bem atravessar a rua... Eu sabia tão bem em que cada meio-fio confiar um equilibrista extrovertido ao me mostrar aos amigos e chamar atenção para meu ego.
Eu não sabia era do finito,
que tropeço era calo,
que queda era tombo de fazer as pernas fraquejarem ao novo levante, e que cada calo ainda voltava a doer a cada esforço. E que cada calo permanecia, e doía.
Eu não sabia que ritmo a gente vai perdendo com a sempre mesmo dança. E que, Deus...
como cansa!
Eu estava em maratona do sempre mesmo discurso.
Eu estava, como agora há pouco eu estava andando pela rua. Como agora há pouco os faróis anunciavam o clarão do fim do túnel - como agora me mentiam uma verdade absoluta.
Agora estou.

Agora pertenço nem que seja à esquina de mim mesmo.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 3


Acordo dando risadas de olhos marejados. Ultimamente os sonhos andam tão reais que marquei de te encontrar na esquina do supermercado e hoje praticamente parei ali para te esperar. Claro, eu estava atrasado;
já tinhas ido embora do cansaço da, por mim, espera.

Alguns dias são mais fáceis, outros são de sonhos fáceis; desses difíceis de acordar, difíceis de voltar a sonhar, e razoavelmente fáceis de, em um pulo, sair voando. Ainda noutros, te levo flores, mas já sem muito o que dizer.
Não são nunca palavras fáceis, ainda que estejam, pela saudade, cada vez mais doces 
e,
claro,
dóceis. Coisa que nunca fomos, mas que éramos. 


O tempo está passando rápido, não é mesmo?
O tempo resolveu navegar tormenta e ocupar-se de mares que nós nunca tínhamos pensado sobre, e aí o barco, depois daquele esvazio imenso, voltou a se encher de uma forma magnífica! Veja: alguns até plantaram raízes! 
Ah... são tantas, tantas coisas para contar...!
São tantas coisas que o tempo resolveu soprar na vela cada vez mais forte para ver se a brisa deixava o girar do mundo mais refrescante, menos sufocante; resolveu por si o que eu nunca conseguiria resolver por mim. Está menos quente, realmente. Está mais leve. Cada único dia, mais leve. Cada dia mais longe da orla. Cada dia mais perto do que nós sonhávamos ser o novo mundo. 
Estou chegando lá, e eu sinto de uma forma estranha isto. Você já deve estar em outra dimensão, não sei; não sei o que acontece com vocês, e tu nunca me disse qualquer coisa desde então. Quer dizer, nunca algo sobre isso; acho que nunca nos importamos.
Acho que,
na realidade,
nunca precisamos.


domingo, 4 de março de 2012

Da fraqueza.

minha fraqueza...

minha fraqueza está no orgulho
das lágrimas escondidas
dos dias cansados
da fraqueza contida
das lágrimas escassas
dos dias contidos
da fraqueza impópria
das lágrimas correndo
dos dicas exaustos.
dos dias verdadeiramente exaustos.

minha fraqueza está na mentira do sorriso gasto.
minha fraqueza está em ser só eu a dizer:
- Tudo vai ficar bem.

minha fraqueza é a fraqueza de todos fracos.
sou fraco.
sou frangote.
sou orgulhoso por minha falsa força.

tenho orgulho de minha falsa força.
tenho orgulho de minha fragilidade.
tenho orgulho demais.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Por favor, silêncio.

posso escrever silêncio?
é um pouco
de tudo que me resta.
o outro pouco 
não sei definir.

posso descrever o silêncio?
não.
não posso.
não sou o bastante,
ainda,
para ser bom o bastante
para esclarecer
o que é,
de verdade verdadeira,
escuridão.

queria eu poder ficar em silêncio.

queria eu saber sobre o silêncio.

queria eu,
na verdade,
o sussurro no ouvido.

queria eu tantas coisas...
queria descobrir como não precisar mais ter esta necessidade que tenho agora de querer saber como descrever o silêncio. Já que isto me parece algo realmente complicado,
algo realmente impossível,
temo então querer o que não posso.
queria eu parar de bater com a cabeça na parede.

posso escrever silêncio?

shhh...

...

shhhhh...

e nada.
nada.

shhhhhhhhhhhhhhhhhh...!

mas não é o bastante.
as vozes são mais poderosas que o clarão.
elas dizem:
- Sim! Sim! Sim!
O erro está na ingenuidade de acreditar em tudo que me dizem. As vozes, por exemplo:
acredito nelas,
então,
depois,
nada de silêncio.
Nada de silêncio.
Nada.

Peço:
- Por favor: shh....

Nada.
Absolutamente nada.
Elas seguem:
- Sim! Sim! Sim!

Acontece que
não
não
não.
Há algo que segue em negar-me o óbvio.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Memórias de um Maestro

Chegamos em casa e fui tomar banho. O dia estava quente e uma ducha gelada antes do filme ao ar livre previamente combinado cairia bem para mim e para ela.
Foi ducha rápida; lavei os cabelos, o corpo, as partes. Fechei a água, sequei-me e, por vício da vida, saí apenas de toalha para vestir-me em meu quarto.

Vou explicar:
a casa era simples, de madeira. Eu estava ali há pouco tempo, e depois de te encontrar na viagem, esta era a primeira vez que havíamos nos reencontrado. Marcamos de assistir a este filme que ambos estávamos conversando de assistir, curiosos da história e dos traços do desenho.

A casa era simples:
logo que se entrava, a cozinha. A cozinha dava para um dos quartos, para a sala, e para o único banheiro.
Saí do banheiro e dei de cara com você lavando a louça em graça de mulher feita.
Eu, homem, vendo mulher desejada lavando minhas louças sujas, sorrindo e dizendo:
- Não suportei e lavei!
Não aguentei.
Traí minhas idéias e nem me lembro direito como começou.
Seu sorriso foi, além de todo teu corpo, decisivo. Foi a prova de que também querias o que tanto havíamos esperado.

Vesti-me, descemos ao filme, encostamo-nos, no chão, um no outro.
Foi realmente um belo filme, até o fim.
Aí o fim;

eu,
aqui.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Uma falsa maestria biografada.

Sentei-me na cadeira de balanço para ver se encontrava eu algum equilíbrio. A noite fria do interior gelou meus pés, então me encolhi.
Deixar Saudade foi uma acertada decisão. Deixar toda aquela vida para trás. Seguir o plano de não seguir plano nenhum e deixar-me levar vida adentro de uma vida mais capaz da apenas sozinha solidão.
Deixá-la para trás por uma acertada, para tudo isto, solução.
A vida estava voltando ao seu ritual quadrado da Grande-Cidade-Grande-Cinzenta. A vida estava dessaturada de uma - que corri tanto atrás - emoção. Fartei-me da obrigada coesão
das palavras
dos toques
dos atos.
Acertei acertada decisão para dar-me um pouco do erro juvenil; daqueles erros que apenas a paixão por si, e por mais ninguém, permitia. Aí, então, errei.
Errei em não voltar atrás com minha suposição de acerto.
Errei, logo depois, em perder a razão e ser só ímpeto do coração.
Errei, logo depois disso, em ainda te escrever alguns dias sim, alguns dias não.
Errei, ainda, em aceitar esta idéia:

a eternidade,
pois então,
não é.

a eternidade,
pois então,
sempre será.

a eternidade,
agora consolo,
amanhã evapora
e volta em tom,
depois de amanhã,
de chuva de verão.

e torna céu,
mar.
entorna
no ventre,
outrora.
retorna.

eternidade,
portanto,
agora,
apenas outra hora.

eternidade,
pois então,
acalma alma.

agora.
agora!
...
agora
alma
agora
hora
após
hora.

Aceitei esta idéia. Errei?
Espero que sim. São tempos de errar, não é mesmo? Não era isso o que eu estava esperando encontrar ao ter ido de encontro ao teu desencontro?
Canastra sentiria um leve orgulho de mim.




segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma falsa biografia cotidiana nada imaginária: Whisky.


A justiça divina condena o culpado,
me contaram.
Vi.
Onde está o que cura a vítima,
que não mais veneno?

Ou talvez seja fraqueza.
Ou talvez síndrome de um averso apego.
Doença,
ainda que por sorte não de sangue,
passível de corpo para corpo.

Doente de ironia:
para tua cura, infectou e ainda chamou de amor;
e ainda fez, por ataduras, ser chamado de "meu amor" -
que ainda bebo como scotch whisky aproximadamente 14 anos
de prisão perpétua.

Entendam como quiserem minha transa diária;
meu confesso.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Nem eu creio que escrevi sobre amor.

Amo porque amo. Haveria de ter outro motivo, que não o de que, na realidade, não amo?
Pois não,
não amo.
Isto é certo,
isto é tudo!
Mas amo,
pois não amo.
Amo por amar;
não por isto,
por tudo;
amo por amar é o amor,
não por amar tu
ou ciclano.
Amor porque,
em rima fácil,
é como entregar-se ao mar:
a gente nunca sabe se volta, mas sempre vai sabendo que vai voltar.

Amo por amar,
oras!
Se fosse para dar razões
eu lhe diria:
te raciocino;
estarias para sempre
em meu lado esquerdo
do cerebelo.

Amo a quem?
Amo aquém.
Ou a quem quiser.
Já nem sei quem
mais além de mim
anda possuindo a
insensatez desta façanha.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 3


15:22
São bons esses dias de sentar perto da porta e ouvir o córrego cheio correr enquanto a brisa teima e brinca de implicar com meus cabelos. A porta range de tempo em tempo.

15:48
Céu azul vestiu-se de cinza.
Brisa transformou-se em vendaval.
Rio calmo: mar em fúria.
Ranger de portas: uma porta fechada. E mais outra, a do banheiro. E não demorará muito tempo para também a do quarto.
Estava tudo calmo demais; de fazer santo desconfiar. Acontece que já me chamaram de tudo na vida, mas homem nenhum ousou ter a coragem de me achar santificado. Não desconfiei.

15:52
e já não possuo
em conclusão destes efeitos climáticos
o que dizer
ou o que fazer:
se dou minha caminhada e arrisco banho de chuva
ou se arrisco trancar-me em casa e me dou
sem pena
sem trena de medir
se 8
ou 80
o tamanho disto que,
desconfio,
ser algo comparado a mesquinho destino.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Cartas de Maestro capítulo 1, parte 1

Queria eu ter tido uma vida inteira no interior. Ter vivido de pés descalços e roupas sujas, ido à igreja aos domingos e ter Deus como chão e padres como psicanalistas; ter me apaixonado jovem por alguma jovem e casado jovem com a tal jovem; ter ganho algum pedaço de terra de herança ou de presente do tal casamento jovem; ter tido oito filhos: os homens para cuidar do campo e as mulheres para cuidar da casa. Ter passado uma vida mansa, uma vida pequena. Ter tido vários netos de cada filho. Não ter conhecido a Grande-e cinza-Grande-Cidade.
Mas não. Enxerguei um tanto quanto cedo demais o tamanho do mundo. Entendi cedo demais o que o que eu não fui nunca nem pensaria em entender.
Acabei preso dentro da liberdade.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 2

A luz passa tão sagaz pela janela quanto a esperteza do meu cérebro em manter-me atrás das portas de casa. O luto ganhou o dever de ir passear, e foi-se em aventura. Deixou-me sem meias e sapatos confortáveis. Restaram apenas os tênis de correr - o que imagino ser algum conselho calado.
Esta luz, a única fonte de luz da sala onde insisto em não me mover, dá ao branco das paredes um alaranjado interessante; algumas sombras interessantes. Minhas sombras marcam bem as paredes brancas. Gosto de paredes brancas.
Amanhã é dia de ir ao seu encontro e renovar tuas flores. As últimas que te dei devem ter já se misturado contigo. Já devem fazer parte de onde agora moras.
Sou, provavelmente, o único que ainda se importe. Ou melhor, devo ter sido o único a quem entregastes o dever de se importar.
Acontece que já não me importo mais tanto; espero que não te importes.

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 2

Traguei a vida rápido demais. Me engasguei. Do homem que pouco esperava ao homem que esperava de tudo, sedento demais. Perdi as estribeiras imaginando poder ir à qualquer lugar. E aí está a ironia:
vim mais cedo para cá.
Eu poderia ter feito tudo diferente, com mais calma, esperando mais compreensão de uma vida que parecia querer compreender. Traguei e me engasguei forte demais. 
Ainda estou tossindo, digamos assim.
Mas tudo bem, era destino inevitável. Demoraria mais tempo, apenas.
Quem sabe foi melhor assim,
de susto.
De susto que fez morrer o coração.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 1

Entenda:
eu precisei te matar. Naquela época estavas sendo pior que o luto que tem sido. Tive de ser prático; entre dores, a menor. Ou ao menos em mais prestações. Era aguda, de ranger os dentes. Troquei por uma de maior duração, mas de menos afeto.
Algo mais sobre mim e menos sobre aquilo tudo que envolvia aquilo tudo. Troquei, digamos assim, destruição instantânea de furacão por aquecimento global: troquei pela morte gradativa. Assim, ao menos, vejo mais coisas; tenho mais tempo para me arrepender. Você gostaria disso, não é mesmo?

Rei do Ócio.

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 1

Segunda-feira, 02:36 da madrugada. Talvez isto seja não saber de nada. E nunca entendi os que dizem "não saber de nada". Se não sabem de nada, então devem saber de tudo...!
Vi hoje um cara tapando a luz que vinha de um carro. Como sua sombra era enorme! Ali sim o vi. Talvez pessoas que até mesmo saibam seu nome não tivessem o entendido tão bem quanto eu o tenha entendido naquele momento. Digo... sua sombra era enorme! Viam os que o chamavam pelo apelido o tamanho de sua sombra? Viam, de fato, a grandeza que era o seu alcance?
Quer dizer... para uma sombra daquele tamanho sua luz tem de ser muito forte, não? Para ter de ter uma sombra que conseguisse chegar ao outro lado da rua tão antes dele, era impossível sua luz ser do tamanho daquela esquina.
Entendem?
Talvez um dia, quando lerem, entendam. Não sei. Pouco me importa, na realidade. Na realidade:
me importa colocar no papel tudo isto para que pelo menos na minha cabeça não fique. Depois fico ali eu remoendo,
remoendo,
remoendo...
o papel que aguente, pois não aguento mais!

O chão está gelado e já são 02:41. Não faço muita idéia das coisas que pensei até agora. Não saberia explicar de novo. Eu saberia explicar, quem sabe, aquele olhar; mas ai seria muito chato. Vocês não gostariam. Gostariam?
Não sei. Sei que o chão está gelado. Pelo menos algo gelado neste calor tropical e cinza. Calores cinzas são os piores. São pesados e fica muito difícil de respirar. É um calor sujo. É um suor sujo. É sujo. O chão está sujo, claro; sorte que gosto do refresco sujo. Ao menos me livra deste calor, ainda que o objetivo não seja ser uma pessoa fria.
Mas este calor não. Este arde a pele, angustia a alma. É de deixar sem ar. É de deixar o ar pesado e difícil de respirar.
Às vezes é de deixar difícil de respirar.