terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Uma falsa maestria biografada.

Sentei-me na cadeira de balanço para ver se encontrava eu algum equilíbrio. A noite fria do interior gelou meus pés, então me encolhi.
Deixar Saudade foi uma acertada decisão. Deixar toda aquela vida para trás. Seguir o plano de não seguir plano nenhum e deixar-me levar vida adentro de uma vida mais capaz da apenas sozinha solidão.
Deixá-la para trás por uma acertada, para tudo isto, solução.
A vida estava voltando ao seu ritual quadrado da Grande-Cidade-Grande-Cinzenta. A vida estava dessaturada de uma - que corri tanto atrás - emoção. Fartei-me da obrigada coesão
das palavras
dos toques
dos atos.
Acertei acertada decisão para dar-me um pouco do erro juvenil; daqueles erros que apenas a paixão por si, e por mais ninguém, permitia. Aí, então, errei.
Errei em não voltar atrás com minha suposição de acerto.
Errei, logo depois, em perder a razão e ser só ímpeto do coração.
Errei, logo depois disso, em ainda te escrever alguns dias sim, alguns dias não.
Errei, ainda, em aceitar esta idéia:

a eternidade,
pois então,
não é.

a eternidade,
pois então,
sempre será.

a eternidade,
agora consolo,
amanhã evapora
e volta em tom,
depois de amanhã,
de chuva de verão.

e torna céu,
mar.
entorna
no ventre,
outrora.
retorna.

eternidade,
portanto,
agora,
apenas outra hora.

eternidade,
pois então,
acalma alma.

agora.
agora!
...
agora
alma
agora
hora
após
hora.

Aceitei esta idéia. Errei?
Espero que sim. São tempos de errar, não é mesmo? Não era isso o que eu estava esperando encontrar ao ter ido de encontro ao teu desencontro?
Canastra sentiria um leve orgulho de mim.




segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma falsa biografia cotidiana nada imaginária: Whisky.


A justiça divina condena o culpado,
me contaram.
Vi.
Onde está o que cura a vítima,
que não mais veneno?

Ou talvez seja fraqueza.
Ou talvez síndrome de um averso apego.
Doença,
ainda que por sorte não de sangue,
passível de corpo para corpo.

Doente de ironia:
para tua cura, infectou e ainda chamou de amor;
e ainda fez, por ataduras, ser chamado de "meu amor" -
que ainda bebo como scotch whisky aproximadamente 14 anos
de prisão perpétua.

Entendam como quiserem minha transa diária;
meu confesso.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Nem eu creio que escrevi sobre amor.

Amo porque amo. Haveria de ter outro motivo, que não o de que, na realidade, não amo?
Pois não,
não amo.
Isto é certo,
isto é tudo!
Mas amo,
pois não amo.
Amo por amar;
não por isto,
por tudo;
amo por amar é o amor,
não por amar tu
ou ciclano.
Amor porque,
em rima fácil,
é como entregar-se ao mar:
a gente nunca sabe se volta, mas sempre vai sabendo que vai voltar.

Amo por amar,
oras!
Se fosse para dar razões
eu lhe diria:
te raciocino;
estarias para sempre
em meu lado esquerdo
do cerebelo.

Amo a quem?
Amo aquém.
Ou a quem quiser.
Já nem sei quem
mais além de mim
anda possuindo a
insensatez desta façanha.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 3


15:22
São bons esses dias de sentar perto da porta e ouvir o córrego cheio correr enquanto a brisa teima e brinca de implicar com meus cabelos. A porta range de tempo em tempo.

15:48
Céu azul vestiu-se de cinza.
Brisa transformou-se em vendaval.
Rio calmo: mar em fúria.
Ranger de portas: uma porta fechada. E mais outra, a do banheiro. E não demorará muito tempo para também a do quarto.
Estava tudo calmo demais; de fazer santo desconfiar. Acontece que já me chamaram de tudo na vida, mas homem nenhum ousou ter a coragem de me achar santificado. Não desconfiei.

15:52
e já não possuo
em conclusão destes efeitos climáticos
o que dizer
ou o que fazer:
se dou minha caminhada e arrisco banho de chuva
ou se arrisco trancar-me em casa e me dou
sem pena
sem trena de medir
se 8
ou 80
o tamanho disto que,
desconfio,
ser algo comparado a mesquinho destino.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Cartas de Maestro capítulo 1, parte 1

Queria eu ter tido uma vida inteira no interior. Ter vivido de pés descalços e roupas sujas, ido à igreja aos domingos e ter Deus como chão e padres como psicanalistas; ter me apaixonado jovem por alguma jovem e casado jovem com a tal jovem; ter ganho algum pedaço de terra de herança ou de presente do tal casamento jovem; ter tido oito filhos: os homens para cuidar do campo e as mulheres para cuidar da casa. Ter passado uma vida mansa, uma vida pequena. Ter tido vários netos de cada filho. Não ter conhecido a Grande-e cinza-Grande-Cidade.
Mas não. Enxerguei um tanto quanto cedo demais o tamanho do mundo. Entendi cedo demais o que o que eu não fui nunca nem pensaria em entender.
Acabei preso dentro da liberdade.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 2

A luz passa tão sagaz pela janela quanto a esperteza do meu cérebro em manter-me atrás das portas de casa. O luto ganhou o dever de ir passear, e foi-se em aventura. Deixou-me sem meias e sapatos confortáveis. Restaram apenas os tênis de correr - o que imagino ser algum conselho calado.
Esta luz, a única fonte de luz da sala onde insisto em não me mover, dá ao branco das paredes um alaranjado interessante; algumas sombras interessantes. Minhas sombras marcam bem as paredes brancas. Gosto de paredes brancas.
Amanhã é dia de ir ao seu encontro e renovar tuas flores. As últimas que te dei devem ter já se misturado contigo. Já devem fazer parte de onde agora moras.
Sou, provavelmente, o único que ainda se importe. Ou melhor, devo ter sido o único a quem entregastes o dever de se importar.
Acontece que já não me importo mais tanto; espero que não te importes.

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 2

Traguei a vida rápido demais. Me engasguei. Do homem que pouco esperava ao homem que esperava de tudo, sedento demais. Perdi as estribeiras imaginando poder ir à qualquer lugar. E aí está a ironia:
vim mais cedo para cá.
Eu poderia ter feito tudo diferente, com mais calma, esperando mais compreensão de uma vida que parecia querer compreender. Traguei e me engasguei forte demais. 
Ainda estou tossindo, digamos assim.
Mas tudo bem, era destino inevitável. Demoraria mais tempo, apenas.
Quem sabe foi melhor assim,
de susto.
De susto que fez morrer o coração.

Cartas D'ócio, capítulo 1, parte 1

Entenda:
eu precisei te matar. Naquela época estavas sendo pior que o luto que tem sido. Tive de ser prático; entre dores, a menor. Ou ao menos em mais prestações. Era aguda, de ranger os dentes. Troquei por uma de maior duração, mas de menos afeto.
Algo mais sobre mim e menos sobre aquilo tudo que envolvia aquilo tudo. Troquei, digamos assim, destruição instantânea de furacão por aquecimento global: troquei pela morte gradativa. Assim, ao menos, vejo mais coisas; tenho mais tempo para me arrepender. Você gostaria disso, não é mesmo?

Rei do Ócio.

Cartas póstumas de Canastra, capítulo 1, parte 1

Segunda-feira, 02:36 da madrugada. Talvez isto seja não saber de nada. E nunca entendi os que dizem "não saber de nada". Se não sabem de nada, então devem saber de tudo...!
Vi hoje um cara tapando a luz que vinha de um carro. Como sua sombra era enorme! Ali sim o vi. Talvez pessoas que até mesmo saibam seu nome não tivessem o entendido tão bem quanto eu o tenha entendido naquele momento. Digo... sua sombra era enorme! Viam os que o chamavam pelo apelido o tamanho de sua sombra? Viam, de fato, a grandeza que era o seu alcance?
Quer dizer... para uma sombra daquele tamanho sua luz tem de ser muito forte, não? Para ter de ter uma sombra que conseguisse chegar ao outro lado da rua tão antes dele, era impossível sua luz ser do tamanho daquela esquina.
Entendem?
Talvez um dia, quando lerem, entendam. Não sei. Pouco me importa, na realidade. Na realidade:
me importa colocar no papel tudo isto para que pelo menos na minha cabeça não fique. Depois fico ali eu remoendo,
remoendo,
remoendo...
o papel que aguente, pois não aguento mais!

O chão está gelado e já são 02:41. Não faço muita idéia das coisas que pensei até agora. Não saberia explicar de novo. Eu saberia explicar, quem sabe, aquele olhar; mas ai seria muito chato. Vocês não gostariam. Gostariam?
Não sei. Sei que o chão está gelado. Pelo menos algo gelado neste calor tropical e cinza. Calores cinzas são os piores. São pesados e fica muito difícil de respirar. É um calor sujo. É um suor sujo. É sujo. O chão está sujo, claro; sorte que gosto do refresco sujo. Ao menos me livra deste calor, ainda que o objetivo não seja ser uma pessoa fria.
Mas este calor não. Este arde a pele, angustia a alma. É de deixar sem ar. É de deixar o ar pesado e difícil de respirar.
Às vezes é de deixar difícil de respirar.