segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Biografando Saudades

Não sabia quantas escalas teria de passar até chegar à Saudades. Peguei o pior ticket, na esperança de enjoar de longas viagens e não pretender voltar. E acabei pegando gosto pela poltrona ruim. A companhia era boa.
A cada algumas paradas o motorista anunciava o local e o destino. Nunca soube por que meios chegar a algum lugar, ao meu destino. Destino sempre visava algum sinônimo para "incerto". Nunca estive tão calmo em relação às desconectividades da vida e, por mais que negasse, a lenda de na morte as estrelas serem nosso destino nunca me pareceu tão certa.
Uma estrela adormecida não perde seu brilho, só muda de charme.

Penso que cruzei o país, mas a verdade é que uma viagem que provavelmente levaria algumas 12 horas, simplesmente virou mais que um dia. As estradas esburacadas, as várias cidades perspassadas.
Na noite do segundo dia chegamos. A rodoviária se fazia distante da pequena cidade. Estrada de chão, clima serrano. Fui obrigado a colocar um abrigo por cima da camiseta velha. Estela fez o mesmo, com o rosto inchado do sono. Encantadora, como sempre.
- Nem acredito que chegamos - me disse, trazendo um bocejo consigo. Espriguiçou-se levantando os braços, alongando a coluna e mostrando parte da barriga menina.
- Não posso reclamar - e rímos.
Deixamos os poucos sobreviventes deste quase translado sair na frente, enquanto organizávamos a bagunça. Coberta e livro na mochila, comidas pela metade em sacolas pequenas. Saí me sentido turísta, claro. E Estela, como todas as mulheres, de mala e cuia.
Via-se o céu do Box 03, onde o ônibus estacionara. Limpo, gelado. Nossos olhos num abre e fecha insistente.
- Sabe onde vai dormir?
- Não faço idéia. Não sabia que chegaríamos à noite.
- Tudo bem, tenho uma casinha alugada. Pode ir para lá. De um modo ou de outro é sempre bom ter mais alguém, caso precise matar alguma barata ou algum tempo.
- Não vou fazer que não quero.
- Nem se dê ao trabalho!
Seguindo a estrada vi a cidade um pouco abaixo. Nem havia reparado o vale no nome da cidade.
- Vale Saudades, cá estamos. - ela parou, colocou a mala no gramado do canto de estrada - Nem sei, passo poucas semanas longe e me parecem meses.
Nem me atreví a renegar. Fiz o mesmo.
- É bonito mesmo.
A estradinha levava a um pequeno portal que levava o nome do lugar. Por algum motivo estranho a estrada grande não passava por alí, mas a vista bela conteve meus raciocínios. Poucas luzes acesas, barulho algum. 11 horas da noite e já não havia movimento sequer em botecos.
Fora de qualquer eixo, fora de qualquer olho de algum qualquer. Vale Saudades não me saudou com alegria, mas com paz. A tal paz merecida.

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