terça-feira, 22 de março de 2011

Mais uma carta Canastra

Houve um dia que jantar sozinho me era prêmio. Que ir sozinho a lugares era uma conquista. Que dormir sozinho em casa era excitante. Que o silêncio sozinho me era calmaria.
Me lembro de quando criança em dias de chuva gostar de voltar andando sozinho para casa só para poder pisar nas poças de água que se formavam na beira da estrada, ou pelas estradas de terra que eu utilizava como desvio para um caminho mais longo, só para aproveitar um pouco mais dessa aventura que era estar por minha conta e risco no mundo que todos me diziam ser perigoso e estranho, dos homens estranhos e perigosos de balas doces oferecidas, e todo o resto.
Engraçado como a vida é.
Hoje os jantares sozinhos são suplícios. Os lugares sozinhos, hostis. Minha cama sozinha, insônia. O silêncio, inexistente; hoje há o medo do silêncio; da morte chegar e você nem poder perceber algum olhar triste em sua direção. É patética a desculpa, eu sei; todos sabem; mas ninguém quer morrer sozinho.
Hoje, meu bem, estar por minha conta e risco tornou-se desventura. O trabalho, o bar, a casa, o sono relutante - ou o prazer do prato do dia; o trabalho.
Hoje... amanhã... afinal, nem todos tem a sorte que você tem; de não ter visto o que vi, do modo que vi, com os olhos que vi, e da posição que vi. Não digo ter sido demais, pois aguentei e sim, meu bem, estou vivo. Mas perdi a receita do bolo, o trilho, o bonde das oito, e agora só amanhã de manhã, como diz o samba. Pois eu entendi: na verdade ele não quis dizer amanhã de manhã, simplesmente. Ele quis dizer sobre um novo raiar, depois que a noite passar. Talvez na próxima vida eu pegue o bonde, nem que seja ele andando; pois nessa o vi quando já estava no horizonte, e parei para assistir simplesmente por dar uma bela e única fotografia.
Talvez na próxima vida, quem sabe; quem sabe, meu bem, na próxima vida tenhamos mais sorte.
Quem sabe...

Com amor,
o céu, o chão, e tudo, tudo que eu poderia ter nas mãos, se não. Mal sou meu, pois sim...

Nenhum comentário: