- Essa chuva de merda!
Tentava desembaçar os vidros do seu carro, como se a culpa fosse do mundo.
- Tá tudo úmido, nojento. Tenho que chegar em casa e ainda limpar aquela lameira. Graças a deus que moro em apartamento, graças a deus! Imagina, uma casa! Loucura da cabeça do teu pai. É porque ele não limpa a porra dos teus tênis que, incrivelmente, todos os santos dias ficam embarrados. Nem parece que a gente mora na cidade! Por onde tu anda, afinal?
- No par...
- Não, não. Esquece, nem quero saber. Já me canso, já me estresso o bastante. Você já tem dezoito anos, tá bem grandinho. Vou te colocar para lavar os tênis, para aprender...
E ela ia, ia, ia, até que chegamos em casa. Fui direto para meu quarto, fechei portas e ouvidos, como sempre.
Mas ainda assim ouvia certos grunhidos. Às vezes era ela ensaiando para testes, às vezes atuando como minha mãe mesmo.
Um dia desses ela chegou com os olhos inchados, pensei que tinha conseguido o papel. Mas só soube criticar o texto. Dizia sem parar: "Dor seria ter de fazer este personagem de merda, ó Deus!". Até perguntei o que houve, mas só soube começar a chorar e dizer: "Maldito seja teu pai, maldito seja!", e ainda em tom teatral.
Eu gosto quando ela faz isso. Queria ver ela um dia desses. Ela faz bastantes peças, se esforça bastante e, no geral do dia-a-dia, é bem dramática. Deve ser uma boa atriz. Um dia ela me convida!
E o meu dia? Ah, foi legal. A aula foi chata, e eu tirei outro dez! Acho que vou passar sem problemas esse bimestre. Queria poder ganhar aquele prêmio de melhor aluno da turma na nossa formatura. Não, não, melhor... eu vou ganhar! Daí a minha mãe vai se orgulhar de mim, e talvez ela pare de falar mal do meu pai. Queria saber onde ele tá agora. Na última vez ele tava no quartel, em uma pesquisa de não sei o quê. Queria saber o que ele tá fazendo agora. Opa, calma aí diário, minha mãe ta batendo na porta!
Toc-toc. Silêncio.
O muleque abriu a porta prontamente.
- Oi mãm...
- O almoço. - e foi para a cozinha.
- Tá. - foi atrás.
Ambos sentaram-se na mesa da sala. Ela tinha quatro lugares, três cadeiras. Mas somente os dois sentavam.
Comiam acompanhados dos tilintares de garfos e facas.
Ao terminar seu almoço, a mãe o olha com aquele seu olhar:
- Olha, essa noite sonhei com você.
E o muleque levanta a cabeça, com seu coração contente.
- É? - sorrindo.
- É - também com um sorriso no rosto. Sonhei que você tinha morrido, me fez tão bem.
Levantou-se.
2 comentários:
......Mas deu vontade de matar essa mulher.....>_<
Aposto que ela tirou a frase da dor do diário do Muleque......
Embora ela possa usar, afinal a vida dela realmente não está onde deveria estar né, acho que ela não é digna de usá-la.......e tenho dito!
(muito bom viajar nessas histórias e comentar sem saber se os personagens que eu to relacionando são realmente os mesmos.......mas se não forem, parecem ser XD)
isso é tão tantas realidades...
cá eu, que não vivo tal situaçã, fico me perguntando por que os filhos aceitam esse comportamento displicente dos pais? eu colocaria limites e provavelmente faria ela chorar [sem o suporte dos personagens]...
XXXOOO
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