domingo, 16 de novembro de 2008

Biografia -ia

Mas se preocupar não é agir,
é como dizer:
"estou vivendo isso aí", deixando de lado a responsabilidade da luta.
A responsabilidade do concreto.
É ficar sem teto,
tatear o chão e fingir que pó e resto de construção ainda cobre a compostura desgastada pelo tempo.

Não estou nem aí, nem aqui;
tô do lado de cá, tentando descobrir o que é o lado de lá; tentando nem me arranhar.
E tanto tentei não arranhar...
tanto que tentei que nem tentei.


Já estava chegando o ponto de casa, enfim. Pena que percebi, ao descer, que o guarda-chuva teria ficado no chão do ônibus.
- Merda.
Por alguns minutos resolvi esperar embaixo do ponto pela chuva passar; tudo passa. O detalhe é que não sabe-se quando, como qualquer outra coisa no mundo. Ao final do décimo quinto minuto exclamei um
- Foda-se!
e segui o rumo até casa. Calmamente, aliás. Poderia ser um sinal, alguma coisa me dizendo para esfriar a cabeça, não sei.
Incrivelmente, esfriou.
Não sei em que parte da vida começa alguma história de amor de verdade, mas sei que nesses filmes americanos o engate perfeito teria sido esse:
passava por mim uma mulher linda, daquelas que a gente nem repararia se estivesse em uma situação normal. Nesta parte eu ofereceria-lhe o guarda-chuva, ela sorriria de volta e negaria. Eu insistiria, como que não me importando em pegar uma chuvinha e, junto, seu telefone. Ela riria, ainda debaixo de chuva, mas não se importando, afinal, ela estaria pensando
"que cara estranho!"
e eu estaria pensando
"ela não está indo embora... legal..."
e sorriria
então eu insistiria. Pegaria na sua mão, colocaria sua mão no guarda-chuva, enfim... cobriria-lhe obrigatoriamente. Ela acharia engraçado, e perguntaria meu nome. Eu não lhe diria, muito menos que me chamam de Canastra. Eu pensaria por 5 segundos na possibilidade de lhe dizer o nome verdadeiro; eu não estava nem um pouco vestido como Canastra, nem pretendia.
- Não vou lhe dizer meu nome.
Ela estranharia, pensaria que sou um...
- Não vou dizer, mas amanhã, na mesma hora das 10, porém com Sol, sabe a padaria que fica daqui a três quadras?
Ela me responderia que sim, estranhando.
- Estarei com um café para nos aquecer do frio de hoje. - tentando uma voz um pouco mais poética nessa alma porca.
Ela não entenderia, eu seguiria em frente. Ela assistiria por 15 segundos a minha ida, a minha não olhada para trás. Eu chegaria em casa tão enxarcado quanto cheguei agora em casa.
Mas eu não tinha o guarda-chuva, e agora nem tenho esse amanhã.

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