domingo, 30 de novembro de 2008

Biografia sem destino

Sempre existe o ir e o vir; sempre vai existir. Os bancos sempre estarão aí para quem espera por alguma partida, de alguém ou a sua própria ida. Me gritam que é a vida.
Um ônibus velho, pintado de algum verde duvidoso, acabava de estacionar à alguns boxes donde eu estava. Era o meu. O lugar estava tão cheio que nem para sentar dava, então resolvi roubar o lugar de alguém que deveria estar aqui. Onde eu estava, estava vazio. Indiscutivelmente vazio. Até o cigarro, ainda entre os dedos, estava apagado, sem vontade alguma.
Na mochila eu levava utilidades; na mala, roupas. Comum a todos. Na minha cabeça eu levava a idéia de que alguma coisa tinha que mudar, mas no meu bolso um celular. Encerrei o contrato do lugar onde morava, encerrei meus expedientes para sempre, não avisei amigos, não deixei recado. Fui inspirado na idéia do Rei. Gostei, e fiz. A diferença é que ele sabe que vai voltar, eu ainda não sei. Vim impulsionado por essa idéia:
não sei.
Nem sabia o nome do lugar para onde ir. Escolhi a cidade de nome mais esquisito e comprei o ticket. Simples assim.
Não faço idéia de como continuar com esse plano. Mas, por enquanto, não ter plano é melhor do que qualquer um que eu já tenha tido até hoje. É como...
não sei. Não sei como comparar. Não sei dizer se está sendo bom. Não estou rindo, não estou triste. To indo...
Fui capaz de deixar tudo pra trás, mas a agenda do meu celular... ah! Não consegui apagar. Estavam ali os nomes das pessoas que fizeram parte de algum espaço de tempo realmente importante para mim. Não os tenho como uma possibilidade de volta, ou de se algo der errado. É só uma conexão com o passado que não é fácil de dizer Tchau.
Ao passo que eu colocava minha mala dentro desse... dessa Lata de Rodas, todo um peso era de fato transferido para um clichê e antigo Eu. Isto aqui, que agora toma voz, que agora tenta falar, que agora tenta aprender, sozinho, a andar sozinho... não é nada conveniente; nem para a sociedade moderna nem para o mim antigo.

O ônibus partia, e o sol das 4 que batia adentro encomodava alguns. Fechavam as cortinas precárias de suas poltronas precárias. Mas tudo muito conciso com suas aparências. Deixei a minha aberta. O terminal enferrujado e antigo saía de cena, assim como todos aqueles prédios e cartões postais - que levei comigo na mochila. Desliguei a música, o adeus merecia minutos de silêncio, de poucos pensamentos. Só uma estrada sendo pisada, este barulho e os barulhos das pessoas dentro do mesmo barco. Pacotes de salgadinhos se abrindo, uma criança rindo, um casal conversando.
- Quer? - me perguntou o senhor que estava do meu lado. A sua garrafa d'água não me foi atraente. Mas o seu sorriso e disponibilidade me desarmaram.
- Claro! - tomei um gole rápido e devolvi. Obrigado, disse depois.
- Saindo da cidade?
- Fugindo da loucura.
- Também num gosto. Nunca gostei, sabe? Venho porque meu filho mora por aqui, venho visitar ele mais a esposa. Mas é muito barulho, muita algazarra, muita cara amarraaada, se é!
- É verdade! - e ri. O senhor vai para o Terminal de Saudades também?
- Não, não. Não gosto de cidade, gosto duma calma. Saudades é boa, mas prefiro o meu canto.
- Tá certo. - me sentia culpado por não saber o que dizer.
- Quer mais água? - me perguntou, depois de um grande gole.
- Não, não. Obrigado!
Ele me sorriu com dentes faltando. Incrivelmente ele tinha mais energia sobrando do que os Sorrisos Colgate do escritório. Virou para o lado, virei para o meu. Quando percebí a cidade ja tinha tomado o seu rumo de despedida, e eu mal havia reparado. A vontade de agradecer àquele do meu lado tornou-se muito maior do que quando recusei a água. Indiscutivelmente maior.

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