segunda-feira, 14 de abril de 2008

Biografia do Rei do Ócio.

Há 20 anos atrás uma chuva torrencial atormentou a sua cidade por quinze dias.
Este seria o primeiro dia da tal chuvarada.

Rei, como seus amigos chamavam, não aguentava mais sua vida parada, monótona. Rei, apelido derivado de Rei do Ócio.
De namorada em namorada, de bar em bar sempre com os mesmo amigos. Faria seus trinta e dois anos em poucos dias, seis para ser exato, e os amigos insistiam:
- Que foi, Rei? Fazê festa! Não se faz trinnnnta e doooois anos tooodo dia, ã? - já bêbados.
Piadas infames de bêbados.
Além disso, não poderia chamá-los de amigos. Eram colegas do trabalho que se reuniam praticamente todo dia para beber todas as cervejas da padaria da esquina.
Agora, me diz... quem compra cervejas em padarias?!
- Quem disse que eu não vou fazer festa? Vou sim. Em casa, comigo mesmo: pensar na minha vida.
Sabe como é, todos ficam deprimidos com a chegada do aniversário, ou fazem que ficam para sentirem pena delas. Se você não faz, experimenta.
- Ah, Rei! Só o que faltava!
- Vamos beber com todos!
- Mas... a gente já faz isso todo dia. Quero algo diferente, para variar.
- Saia com alguma diferente!
- Eu sempre saio com alguma diferente.
- Ué, sai com alguma igual então.
O Rei desistiu. Estava cansado, amanhã teria mais do seu trabalho medonho de ajudar pessoas ouvindo-as. Precisava de sua cama.
- E quem vai fazer o jantar do meu aniversário? - perguntou ele, quase saindo da porta.
- Pode deixar que eu faço - Maestro era bom nisso, ainda montaria seu próprio Restaurante.
Rei saiu, fechou a porta, e resolveu não se preocupar com a chuva. Maestro e ele moravam uma quadra de distância, o que facilitara a sua quase-amizade. E tinham a mesma idade.
Canastra, o terceiro, insistia que o caminho era sequestrar o presidente e pedir resgate. Esquece o detalhe: seria morto em seguida.

A casa estava escura, mesmo com as luzes acesas. Elas eram fracas, assim como ele.
Ligou a televisão, no pós-banho, e logo de cara deparou com notícias ruins: a filha de um cara que ouvira falar, mas não sabia a mínima quem era, havia falecido. O nome dela: Julieta. Lindo nome, pena não haver fotos na notícia. O cara era um poeta, de acordo com a Tv.
- É, morreu.
Sentiu-se tão nojento pelas palavras, que chegou ao ponto de tomar um segundo banho.
Sentiu-se pesado depois, a ponto de deitar-se ainda molhado.
O apartamento lhe permitia quatro cômodos básicos: quarto, banheiro, cozinha e sala. Era o básico para a vida d'um solteirão. Três cômodos para alimentação e um para desprezar os restos, ou para aprontar-se para a refeição. No seu sonho só via o escritório sépia e o divã vermelho. E ele, tanto deitado, quanto ouvindo.
Não era um sonho.
O mais próximo de um sonho que tivera foi com um bom vinho. Acompanhado de uma bela mulher de cabelos loiros e olhos negros. Acompanhado de uma puta noite estrelada.
Ambos os três estavam diante de uma lareira, conversando, rindo. Vivendo.
Coincidentemente tudo isto teria acontecido semana passada, às 20:00 horas nesse mesmo apartamento. Também não era um sonho.
Mas parecia.

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