terça-feira, 15 de abril de 2008

Biografia, e ponto.

O espelho do motorista tremia, dando um efeito um tanto interessante. Cheguei a pensar, por um instante, que outra pessoa aparecia na imagem refletida.
Um efeito interessante.
- Vou meter uma bala na testa daquele canalha.
- Ganha às nossas custas, filho da puta.
- É.
Já eram quase meia-noite, e esses três não paravam de armar planos mirabolantes. Devia ser o chefe.
- Comprou uma puta moto - disse o de vermelho, puto.
- E uma coberturazinha... - disse o do meio.
- Pff...
Os ônibus eram interessantes por isso. Cada coisa.
E uma criança não parava de me encarar, eu me divertia encarando ela com cara de mau. Que não fazia muito efeito, ela me olhava com uma feição tanto de interesse quanto de: "o que esse imbecil tá fazendo?".
Não era muito bom com expressões falsas.
Mentira.

A velocidade era nem um pouco perigosa, é possível que a única pressa de todos era de estar na cama. Mas muitos nem esperavam, babavam no banco mesmo.
Silêncio.
A catraca mais parecia que ia explodir. Tremia tanto quanto o espelho,
o ônibus era velho.

Cléck.
Cléck.
Cléck.
Mais silêncio.
Cléck.
Cléck.
Cléck.
O chiclete estava bom, sabor menta. Era doce.
Servia para mim não sentir o gosto desagradável da vida.
Cléck.
Cléck.
Silêncio, e mais 5 minutos foram-se.
Cléck. Cléck. Clé..................ck.
O chiclete é bom, mas perde a validade. Vai endurecendo, perdendo a doçura, cansando. A vida era mais forte, ela persistia em deixar o gostinho. Cléck. Aquele gostinho tão bom de... menta, era mais agradável. Doce. Espalhava-se, voltava-se, retorcia-se, desvirava-se do avesso do infinito e ia e vinha.
E eu mastigava.
Cléck.
Um ponto.
Cléck.
Cléck.
Dois pontos,
três, quatro, cinco pontos.
Cléck, cléck, cléck's.
Joguei o chiclete fora, estava horrível.

Nunca cheguei a chegar no ponto certo. Sempre passei, sempre fui precipitado demais.
O ponto exato, redondo, fixo, previsível e tão esperado: nunca.
Nem o chiclete.
O chiclete podia ser tudo aquilo, mas tente colá-lo embaixo da carteira do vizinho.
Agora peça para ele levantar a mesa.
Em seguida, veja a sua feição.
Não será falsa.

E a chuva começou a chover.

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